Há uma espécie de tempestade perfeita para as teorias da conspiração. Por um lado, há uma pandemia, ameaça global desestruturante, que exige medidas dolorosas que interferem com as sociedades, com as economias e com o dia a dia das pessoas. Por outro, há ao dispor de todos ferramentas tecnológicas que permitem a disseminação veloz e em larga escala de desinformação, realidades alternativas e mentiras. E há ainda uma crise de saúde mental agravada pela pandemia que faz disparar a apetência para aderir a teorias da conspiração – há pelo menos quatro grandes estudos científicos, antes e depois da pandemia, que comparam a relação entre a saúde mental e a propensão para estas teses alternativas.
Está composto o cenário perfeito para uma Idade das Trevas 2.0: junta-se a agonia e a matéria de sobra com interesse para ser esmiuçada em processos mentais alheios à razão e à Ciência, com a amplificação por algoritmos poderosos e efeitos de bolha que se autoalimentam e expandem. Sempre existiram estes fenómenos mentais e sociológicos tipo seitas, que se colocam à margem do mainstream e carburam à custa de conjeturas mirabolantes alternativas – o que as distingue agora é o seu alcance incomparável. E, quanto maior o potencial de disseminação, maior o risco associado ou a ameaça.
Não é de estranhar que, por todo o mundo, os antissistema – sejam eles anarquistas, antivacinas, negacionistas, radicais de extremos políticos ou de grupos de interesses (condições que podem ser, ou não, cumulativas) –, vejam o que está a acontecer como uma raríssima oportunidade a não desperdiçar. À semelhança de Joshua Coleman, um dos principais antivacinas norte-americanos que veio para as redes logo em março de 2020 congratular-se com a magnífica oportunidade de marketing que finalmente a História lhe dava para “educar” o povo, por todo o mundo há quem veja na tragédia da pandemia uma ocasião para desestabilizar, lucrar, seja financeira ou politicamente, ou simplesmente aproveitar para sobressair e dar-se a conhecer.
O que escapa às almas, muitas delas inocentes, que aderem e fazem eco destes movimentos é precisamente os interesses escondidos dos que as instrumentalizam. Há um caso paradigmático: um dos grandes financiadores do movimento antivacinas nos EUA, Joseph Mercola, é um osteopata que ganhou milhões a vender produtos “naturais” contra maleitas variadas, incluindo as que as vacinas impedem. O movimento QAnon, que defendia a existência de uma rede de adoradores satânicos e pedófilos e que teve o seu “auge” no assalto ao Capitólio, serviu os interesses republicanos até à saída de Trump da Casa Branca, e continua a servir-lhe. O Querdenken, o maior grupo de negacionistas e antivacinas alemão, está infiltrado da extrema-direita radical e serve bem o propósito de destabilizar o statu quo, beneficiando quem faz caminho político e o põe em causa. Os negacionistas não têm necessariamente ideologia, mas há ideologias que ganham muito mais do que outras com os negacionismos.
Os EUA e a Alemanha são bons exemplos sobre porque devem ser levados muito a sério este tipo de movimentos: a velocidade de escalada e propagação é enorme e os prejuízos, até simbólicos, muito elevados. Em última análise, é o sistema democrático e o Estado de direito que estão em causa. E, por isso, os dois países colocaram os seus serviços secretos e as forças de segurança a monitorizá-los de perto.
Portugal, claro está, não será a bonita exceção. Não estamos apenas perante cidadãos que no seu legítimo direito, não querem tomar vacinas. Como revela a VISÃO esta semana, depois de uma investigação de meses, o que começou por ser um conjunto de movimentos antissistema inorgânicos dispersos nas redes sociais tem hoje cada vez mais expressão e maior organização. Há uma agenda clara e alvos bem identificados. Todos estes movimentos nacionalistas estão a unificar-se debaixo de um chapéu comum, a Aliança Lusa, liderada por Alfredo Rodrigues, o fundador do extinto grupo Médicos pela Verdade (que agora se chama Aliança pela Saúde), com o propósito de se apoiarem na “luta”. Há ainda um ponta de lança, Luís Freire Filipe, que oferece a todos estes movimentos, bem como ao grupo Habeas Corpus do juiz suspenso Rui Fonseca e Castro e ao Movimento Zero dos polícias, apoio logístico nas ações de rua, com vista a provocar a maior perturbação social e política possível. E que está há meses a fazer ações de formação, ao género de milícias, criando grupos de pessoas, nas suas palavras, prontos para o que der e vier (é ver as fotos que publicamos na edição). Por coincidência (ou talvez não), um já elogiou o programa do Chega, o outro vê em André Ventura potencial para liderar o País.