Foi António Costa que o disse: o que temos pela frente é um tsunami económico. Ainda bem que o primeiro-ministro tem consciência disso. Todos os indicadores e estudos que começam a surgir o indicam – com o planeta em standby, a economia mundial, e a europeia em particular, estão a sofrer um colapso sem precedente. Com 20% da população mundial em quarentena, a recessão parece mais do que certa. Se a economia portuguesa vier a ter, como a Católica estimou, a maior queda desde pelo menos 1961, podemos assistir a uma contração duas vezes pior do que a de 2012, com uma queda no PIB que pode chegar aos 10 por cento. O desemprego pode ultrapassar novamente os 10 por cento.
Neste contexto, são cada vez mais as vozes, lá fora e por cá, que se levantam a exigir uma resposta diferente, muito mais robusta, e porventura também mais criativa, para a crise. Não adianta usar antivirais fracos de outros tempos que não resultam nesta nova estirpe. Estamos a tentar resolver com velhas medidas uma crise completamente nova. Não basta a União Europeia dizer que vai ignorar por uns tempos as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento e aliviar as metas do défice. Não bastam pacotes fiscais, por mais generosos que sejam. Não basta facilitar-se o acesso ao crédito para as empresas, que terão de se endividar para fazer face a uma quebra da procura imprevisível e nunca vista em tempos de paz. Para Portugal não bastam, certamente, os três mil milhões de euros de apoios anunciados. É preciso dinheiro – dinheiro às pazadas.
É por isso que muitos pensam que pode ter chegado o momento de ir abrir novamente os livros de Milton Friedman, o pai do monetarismo. A imagem que ele usou, em 1969, para o descrever era poderosa: se preciso for, atire-se dinheiro de helicópteros para cima da economia. E se não houver dinheiro, imprima-se – não pode é faltar em tempos de crise. Esta ideia de um shot de liquidez na economia, considerada sempre demasiado excêntrica e radical, tem vindo à baila esporadicamente ao longo dos tempos. Em 2000, por exemplo, economistas consideraram que era uma saída possível para a deflação crónica da economia japonesa. Ben Bernanke, depois de sair de presidente da reserva federal norte-americana, disse que, em certas circunstâncias excecionais, pode ser a única solução possível (e ganhou por causa disso a alcunha jocosa de “Ben do helicópetero”). Mario Draghi, já à frente do Banco Central Europeu, disse que o conceito “era muito interessante”, ainda que envolva, naturalmente, riscos de subida dos preços.
O tema regressa hoje com mais força do que nunca – e muitos que sempre o recusaram começam a ponderar seriamente todas as medidas que permitam que ninguém perca o emprego e o seu rendimento por causa do vírus.
Hong Kong e Singapura já começaram a distribuir dinheiro. E, para pasmo de muitos, os Estados Unidos da América já estão também a dar os primeiros passos neste sentido. Donald Trump, que tem um problema crónico com a Ciência e durante semanas ignorou olimpicamente a ameaça do coronavírus, anunciou que vai entregar cheques às famílias. Ainda não mandou imprimir dinheiro, mas, quem sabe, lá chegará.
Na Europa, o desafio é ainda maior: superar a prova política, além de económica. Este é, claramente, o momento do agora ou nunca para a União Europeia. Tem, acima de tudo, de convencer os europeus que serve para alguma coisa e faz diferença nas suas vidas. Até agora, não se tem saído nada bem, com os fechos das fronteiras aleatórios e a forma como vetou a Itália ao abandono absoluto na hora em que faltaram equipamentos e testes (foi preciso virem a Rússia e a China ajudar, que embaraço). Avançar na economia com arrojo pode ser a forma de sair minimamente bem disto. Emitir as famosas coronabonds é uma hipótese, mandar vir helicópteros com dinheiro é outra, dizem muitos economistas. Parece louco, mas o que vivemos são tempos loucos. Para momentos ultraexcecionais, medidas ultraexcecionais. Quem ficar agarrado a dogmas vai ao fundo.