Ninguém está preparado quando nos bate à porta uma catástrofe. E aquilo a que estamos a assistir, perante uma epidemia global como é a Covid-19, é a uma calamidade. Não necessariamente pelo impacto que venha a ter em termos de saúde pública, mas pela forma como, para o evitar, vai obrigar-nos a todos a mudar drasticamente a nossa forma de vida durante um período de tempo imprevisível.
No século XXI, o mundo não está organizado para ter uma paragem forçada na engrenagem complexa que pressupõe um planeta sem fronteiras, populações com enorme mobilidade, economias dependentes de consumos externos, sistemas financeiros interligados e linhas de produção com peças vindas dos quatro cantos do globo. Um grão de areia chamado Covid-19 fez acionar o botão de stop deste motor, e o que todos agora se perguntam é a que custo.
O que vivemos é uma verdadeira prova. Um teste à globalização e a esta forma de nos organizarmos em rede, que nos dá capacidade de crescimento, mas grande fragilidade potencial perante imprevistos, que num ápice se transformam em problemas globais. Um teste aos nossos líderes e dirigentes políticos, que têm de mostrar a capacidade de resposta imediata, mantendo um equilíbrio difícil entre acionar planos de emergência e contingência e evitar os alarmismos excessivos que paralisam o País. Um teste à capacidade de resposta dos nossos sistemas de saúde, já tão fragilizados, que têm a missão primordial de salvar vidas. Um teste à nossa capacidade de turnaround económico, depois do impacto que inevitavelmente esta epidemia terá em setores fundamentais da nossa sociedade. E, o mais importante de tudo, um teste ao nosso civismo e à solidariedade intergeracional (sendo certo que o vírus é muito mais perigoso para os mais velhos) e à capacidade de cumprirmos, voluntariamente, as instruções em prol do bem comum.
Por mais duras (e nalguns acasos até aparentemente desproporcionais perante o número de casos existentes) que nos pareçam as medidas impostas agora, temos de acatá-las com empenho. Temos de perceber que as medidas de contingência são fundamentais para evitar o pior em Portugal. São elas que podem impedir um caos absoluto, com potenciais consequências devastadoras: várias centenas de contaminados por dia, milhares de hospitalizações, muitos mortos. Temos hospitais a rebentar pelas costuras; equipas médicas no limite que já trabalham no fio da navalha; poucas unidades de cuidados intensivos, mal apetrechadas e sobrelotadas (só existem, por exemplo, cerca de 600 ventiladores no País, quando, segundo os médicos italianos, 10% dos casos precisam de ventilação assistida); carência de equipamentos de proteção e segurança para o pessoal; falta de formação e de comunicação em toda a linha, desde os serviços de transporte aos hospitais de referência, passando pelas unidades de cuidados de saúde primárias.
Perante isto, só nos resta fecharmo-nos obedientemente em casa, praticarmos a distância, ou mesmo a reserva social, e assim tentarmos evitar o pior. Porque o pior, como se assiste em Itália (e também em Espanha, o próximo grande foco na Europa), onde o sistema de saúde é desenvolvido e eficaz, pode mesmo ser muito complicado de gerir. Os ingleses têm uma expressão perfeita e sem tradução direta: “rise to the occasion”, qualquer coisa como elevar-se perante as circunstâncias. Não tenhamos dúvidas: não é o apocalipse, mas as circunstâncias são mesmo sérias. Em 1940, perante a ameaça da invasão nazi, Winston Churchill proferiu um dos seus melhores discursos, que ficou conhecido como Finest Hour. “Preparemo-nos para os nossos deveres, comportemo-nos de forma que, se o Império Britânico durar mil anos, os homens ainda dirão: ‘Este foi o seu melhor momento’”, declarou. Este é um dos momentos em que somos postos à prova: mostremos que estamos à altura dele.