As celebrações do centenário do final da I Guerra Mundial tiveram, no mínimo, uma virtude: a de nos fazer recordar que as decisões internas de um país não têm consequências apenas para a sua população, mas podem ter também implicações graves para o resto do mundo. O que a memória daquele conflito nos ensina, um século depois, é que as visões unilateralistas, em especial quando são insufladas pela arrogância e pelo desprezo pelos outros, fomentam as divisões e aumentam as crispações. Tudo somado, podem conduzir à guerra entre nações, sem que, a partir de certo ponto, seja possível travar o aumento da escalada e do confronto.
É importante sublinhar isto numa época em que o mundo assiste a um recrudescer dos nacionalismos e dos populismos. Sempre anunciados e fomentados com as mesmas características: discursos virados exclusivamente para o interior de cada país, visões unilaterais do mundo, e o corte, quase obsessivo, dos laços de livre comércio e de solidariedade com os outros Estados. Em vez da cooperação, estes novos nacionalismos apregoam o isolamento. Em vez de uma estratégia de futuro, preocupam-se apenas com o presente, sem se ralarem minimamente com as consequências. Tudo isto, assinale-se, numa época em que a esmagadora maioria da população mundial está interconectada e ligada como nunca.
Cem anos depois do Armistício que pretendia terminar com “a mãe de todas as guerras”, celebrado a 11 de novembro, e após o período mais prolongado de paz e prosperidade na Europa, “a ordem mundial é cada vez mais caótica, as relações de poder são menos claras, os valores universais estão a ser erodidos”, como tão bem sintetizou, há pouco tempo, António Guterres na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Há quem argumente, no entanto, que cada povo tem o direito de escolher o caminho que quer trilhar – seja ele qual for – desde que o faça através do voto livre e democrático. É verdade. Mas é preciso não esquecer, em especial no mundo globalizado de hoje, que nenhum país vive numa bolha separada dos outros. Portanto, esse caminho, em especial nos países grandes e poderosos, acaba sempre por ter implicações nos percursos dos outros países. O que torna tudo mais ligado entre si quando temos, enquanto Humanidade, um planeta para defender e proteger, num momento decisivo em que assistimos ao esgotamento dos recursos naturais e a uma ameaça cada vez maior das alterações climáticas.
A paz, diz-nos a História quando analisada numa perspetiva de longa duração, é um bem escasso e pouco duradouro. Para ser mantida, precisa da colaboração de diferentes países, mesmo quando não partilham os mesmos interesses estratégicos.
As alterações climáticas, por seu lado, só podem ser combatidas com uma visão multilateralista e à escala mundial. Quando Donald Trump decide tirar os EUA do Acordo de Paris sobre o Clima, de forma unilateral, e Jair Bolsonaro anuncia, logo após vencer as eleições, que vai intensificar a exploração e o desmatamento da Amazónia, as suas decisões não podem ser vistas à luz redutora da chamada política interna. Têm, isso sim, implicações relevantes a nível mundial e mexem, de facto, com a vida do resto da Humanidade. São decisões que precisam de ser contrariadas em nome do interesse mundial – já que são uma ameaça direta à nossa existência.
A paz e as alterações climáticas têm de ser duas bandeiras para unir o mundo. Assim os verdadeiros defensores do multiculturalismo as saibam erguer e defender. Com firmeza e convicção. Sem as hesitações e as cautelas que têm demonstrado, por exemplo, no conflito que assola o Iémen (numa guerra insuflada pela Arábia Saudita com o apoio dos EUA), onde a crise humanitária atinge já cerca de 14 milhões de pessoas – quase o mesmo número de mortes, militares e civis, ocorridas na I Guerra Mundial. É melhor lembrar isso hoje do que daqui a 100 anos.