No último verão, ficou a saber-se que, em vez de lerem Marx, os mais influentes líderes políticos chineses andavam, isso sim, absortos nas páginas de um livro do austríaco Stefan Zweig, originalmente publicado em 1927, mas que caiu, nas décadas seguintes, num relativo esquecimento: Momentos Decisivos da Humanidade. Segundo anunciou o historiador e colunista escocês Niall Ferguson, o livro de Zweig anda a ser recomendado a todos os membros do Politburo chinês pelo czar anticorrupção Wang Qishan, considerado o homem mais poderoso do país, logo a seguir ao Presidente Xi Jinping. Não se sabe se as recentes mudanças constitucionais na China, que terminaram com a limitação de mandatos do Presidente (e que abrem também caminho para, eventualmente, Wang Qishan perdurar na vice-presidência), foram ou não inspiradas pelo livro do autor austríaco, cuja vida, o pensamento e a obra têm conhecido, ultimamente, um justo renascimento e valorização. Mas saber que os líderes chineses andam a ler Stefan Zweig é, temos de o reconhecer, uma prova (mais uma…) da sua proverbial sabedoria. E um exemplo que, na verdade, devia ser seguido por todos os outros líderes mundiais, em particular os governantes europeus que se revelam cada vez mais confusos e atarantados com os resultados dos partidos antissistema sempre que os eleitores são chamados às urnas, como ainda agora aconteceu em Itália. E que ficam sem saber o que fazer nem o que dizer perante o regresso dos populismos e dos líderes “providenciais” que, como escrevia Zweig, espalham a pior de todas as pestes: “O nacionalismo que envenena a flor da nossa cultura europeia.”
Saber identificar os momentos decisivos que, de facto, fazem avançar a História é uma necessidade premente nos dias de hoje, em que andamos, cada vez mais, afogados em pequenos assuntos, em escândalos que se repetem sem consequência e, na maior parte das vezes, incapazes de olhar para o que é realmente importante e estrutural. Grande parte do encanto deste livro quase centenário reside na seleção de momentos feita por Stefan Zweig, que vão desde a Roma Antiga até ao fracasso da Conferência de Paris, de 1919, que deveria firmar as bases de uma paz duradoura no mundo, mas que acabou, na verdade, por abrir caminho a um novo conflito mundial, poucas décadas depois. São 14 momentos que, segundo o autor, “ocorrem muito ocasionalmente”, mas que se tornam “decisivos durante décadas e séculos”. O mais espantoso, em cada um deles, é perceber como a História evolui, tantas e tão decisivas vezes, por causa de pequenos acontecimentos, inesperados, não programados ou, até, impossíveis de prever. Momentos que demonstram como ninguém pode ter a presunção de controlar a História nem a ousadia de pensar que tem tudo previsto e calculado.
O que Stefan Zweig nos conta no seu livro é que, por exemplo, embora a queda de Bizâncio tenha sido uma proeza do génio militar do jovem sultão otomano, ela só se concretizou porque alguém, inadvertidamente, deixou uma pequena porta aberta nas muralhas, por onde puderam entrar os invasores. Da mesma maneira, a derrota de Napoleão na Batalha de Waterloo só ocorreu devido a um minuto de hesitação do marechal Grouchy. Um minuto que, segundo Zweig, “encerra o seu destino, o de Napoleão e do mundo”.
É esses momentos que precisamos de recordar nos dias que correm. Para termos mesmo a consciência de que não há líderes providenciais com planos infalíveis. E que se a Europa quer continuar unida e em paz, tem de saber olhar, no seu conjunto, muito para lá da retórica, por vezes quase autista, que foi construindo ao longo dos anos. Num ápice, afinal, tudo se pode desmoronar. E é por isso que, mais uma vez, convém lembrar Stefan Zweig: “Na História, tal como na vida humana, o arrependimento não consegue reaver o minuto que passa: mil anos não resgatam uma hora de negligência.”
(Editorial da VISÃO 1305, de 8 de março de 2018)