Escreveu Mario Vargas Llosa: “A popularidade e o êxito conquistam-se não tanto pela inteligência e pela probidade, mas sim pela demagogia e pelo talento histriónico. Assim, dá-se o curioso paradoxo de que, enquanto nas sociedades autoritárias é a política que corrompe e degrada a cultura, nas democracias modernas é a cultura – ou aquilo que usurpa o seu nome – o que corrompe e degrada a política e os políticos.” (A Civilização do Espetáculo, Quetzal).
Este fim de semana, recebi um telefonema de um dos meus amigos, homem que segue atentamente a política e daqueles que não perde um frente a frente ou uma entrevista que possa ser relevante. Queria, obviamente, debater debates. A meio da conversa, anunciou-me que tinha acabado de comprar A Civilização do Espétaculo. Achei magnífica a ideia. É daquelas obras que é mesmo boa de ler em clima de campanha eleitoral.
Fui buscar o livro à prateleira e resolvi reler algumas partes. “O avanço da tecnologia audiovisual e dos meios de comunicação, que serve para contrariar os sistemas de censura e controlo nas sociedades autoritárias, deveria ter aperfeiçoado a democracia e incentivado a participação na vida pública. Contudo, teve antes o efeito contrário, porque a função crítica do jornalismo viu-se em muitos casos distorcida pela frivolidade e pela fome de diversão da cultura dominante.”
Parei nesta frase. Se tivesse sido escrita esta semana, diria que Llorca estava a comentar a enorme repercussão que teve, nas televisões, onlines e imprensa, a foto de José Sócrates e amigos a (supostamente) assistirem ao debate entre Passos Coelho e António Costa.
A imagem é um documento. Graças a ela, ficámos a saber com quem o antigo primeiro-ministro gosta de partilhar reflexões e que sorriu quando quis registar o encontro e divulgar o propósito da reunião – o que permite deduzir que terá gostado da prestação de António Costa. Ou seja: é bom termos visto a foto (não direi o mesmo da pizza…); porém, como diria o outro, não havia necessidade de tanto alarido e, não fosse a superficialidade que impera, o destaque dado à imagem e as discussões que suscitou não teriam ombreado e feito esquecer questões bem mais importantes.
Saltemos umas páginas. “Nada desacredita tanto uma sociedade nem desacredita tanto as instituições como o facto de os seus governantes, eleitos em processos mais ou menos limpos, aproveitarem o poder para enriquecer ludibriando a fé pública depositada neles.” Mas se é assim, quando vamos debater a Justiça em Portugal? Ficamos pela declaração de Paulo Rangel sobre a confiança acrescida no sistema desde que a coligação chegou ao poder? Satisfazem-nos as declarações de António Costa de que o essencial é não faltar com meios para os investigadores, manter a separação de poderes e resolver os problemas dos tribunais cíveis, que os penais não são o maior dos males? O primeiro soa a vitupério (ou não fosse elogio em boca própria) e o segundo sabe a pouco. Que a Justiça está desacreditada é evidente; que falta coragem para a reabilitar, também.
Avancemos: “A televisão é, até agora, a melhor demonstração de que o ecrã banaliza os conteúdos – sobretudo as ideias – e tende a converter tudo o que por ela passa em espetáculo, no sentido mais epidérmico e efémero do termo.” Será isto verdade? Terá sido por isso que andámos tão indiferentes às guerras que se prolongam no Norte de África e no Médio Oriente? Será por isso que a indignação só surgiu perante a imagem do pequeno Aylan, morto na praia de Bodrum? E será que um dia seremos indiferentes também a esta imagem, como estávamos a ficar quando nos mostravam cadáveres a boiar no Mediterrâneo e os líderes europeus olhavam para o lado, deixavam a questão para os italianos e tinham fé em que a situação se resolvesse por si? Os últimos acontecimentos, para os quais ainda não estamos anestesiados, trouxeram o tema para a campanha eleitoral – ainda que do assunto se fale mais discretamente do que ?sobre quem telefonou ?a chamar a troika.
Agora que a campanha está oficialmente à porta, era bom pensar até que ponto Llosa tem razão quando diz que após a “banalização lúdica da cultura”, o “valor supremo é agora divertir-se e divertir”. É que há um perigo: “Na civilização do espetáculo, o cómico é o rei”, diz ele. Que sentido faz rir enquanto o barco afunda?