Vamos lá ver se nos entendemos: há ou não presos políticos?
Pensava eu que não, mas Paulo Rangel foi ensinar o contrário à Universidade de Verão do PSD. Interrogou-se, e ficou gravado, sobre se “alguém acredita que se os socialistas estivessem no poder haveria um primeiro-ministro sob investigação?” Não contente, foi mais longe acrescentando à lista dos que estariam longe das malhas da Justiça “o maior banqueiro” nacional. Afinal, Rangel quis dizer que Sócrates e Salgado estariam sob a proteção de um governo socialista, ou que… são presos políticos deste Governo?
As ligações entre os executivos PS e a Justiça seriam retomadas mais tarde, no comentário de Marques Mendes na SIC. O ex-presidente do PSD haveria de dizer que a atual procuradora-geral tem uma independência perante o poder político maior do que a conseguida por Pinto Monteiro. A mesma tecla, portanto.
Passos Coelho – naquele seu jeito de quem parece não falar dos assuntos de que está mesmo a falar – tentou corrigir o seu deputado europeu, afiançando que ele se referia ao facto dos cidadãos avaliarem hoje “o funcionamento da Justiça de uma forma mais positiva do que no passado”. Porém, aproveitou para lançar mais umas achas para a fogueira: “Não podemos (…) proteger os maus negócios apenas porque temos lá gente amiga (…), em quem confiámos mais porque andámos com eles no liceu” ou “porque os conhecemos noutro sítio qualquer”. Onde? Na Covilhã? Foram recados diretos para quem está envolvido em processos com amigos de longa data, sendo que o primeiro que me ocorre é o Caso Marquês, com Sócrates e Carlos Santos Silva.
Reagiram os socialistas, pela voz de Francisco Assis, ao denunciar “a ofensa ao poder judicial”. Assis pode ter legitimidade para o fazer. O PS não. Quantos destacados socialistas falaram em perseguição política do poder judicial contra Sócrates – e mesmo contra Armando Vara – desde o tempo do Freeport… e da Casa Pia? É compreensível que o antigo-primeiro-ministro, emocionalmente envolvido, se diga um preso político; que outros corroborem e amplifiquem já não se entende. Ou melhor: compreende-se tão bem e aceita-se tão mal como o discurso do Paulo Rangel.
E é pena que se perca tempo em volta de questões que só procuram a emoção quando há tanto para discutir. Basta estar atento aos jornais e procurar soluções para o que neles se lê. Como, por exemplo, a questão da colocação de médicos no Alentejo, pois, como denuncia o DN, “pelo menos metade dos concursos abertos para contratação de médicos nos últimos dois anos tiveram o mesmo desfecho: ficaram desertos por falta de candidatos ou porque os que havia desistiram durante o processo de recrutamento”.
Ou então ouvir a TSF relatar as conclusões de um trabalho do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra segundo o qual são os avós que ajudam os netos na compra dos carros, da casa ou no pagamento de empréstimos contraídos em SOS. Os pais de hoje não conseguem ajudar os filhos nem conseguirão ajudar os netos de amanhã.
Já que gostam tanto de Justiça, seria bom explicarem se concordam que há mil profissionais em falta no setor, como contabiliza o CM, entre oficiais, procuradores e juízes, e como se propõem encarar a situação.
À medida que cresce a complexidade dos problemas, aumentam as falsas polémicas para fugir ao essencial. E assim ficamos todos prisioneiros desta forma de fazer política.