Novembro de 1989. A data ficou para a História: a Europa derrubava o muro que dividia Berlim – 66,5 quilómetros de betão e arame farpado que impediam os alemães de leste de emigrar para a Europa ocidental. As torres com metralhadoras, que serviram para abater alguns dos mais audazes, também caíram.
Agosto de 2015. O mês é para esquecer, mas o mais provável é que vá ficar como um período negro da Europa solidária e humanista. Após longas e infrutíferas discussões sobre as quotas de refugiados que os países da União estariam dispostos a aceitar, a ideia mais adequada que os 28 países da UE encontraram foi adjudicarem a companhias privadas o patrulhamento do Mediterrâneo. Ainda sem ter decidido quantos refugiados pode receber, a Europa constrói um muro entre Bulgária e a Turquia (32 quilómetros), entre a Hungria e a Sérvia (primeiro 170 quilómetros, depois mais 280), mantém eficazes e ligadas à corrente as vedações de arame farpado em Ceuta e Melilla e, finalmente, faz crescer os rolos de arame farpado e mobiliza militares e cães para travar as passagens pelo túnel da Mancha (por onde já terão passado 40 mil clandestinos desde o início do ano). Para integrar nos 500 milhões de habitantes dos 28 países europeus, os diversos governos aceitam receber 50 mil emigrantes. Como bem me dizia o Filipe Fialho, editor de Internacional da VISÃO, “que é isto comparado com o Líbano, que tem 1,2 milhões de refugiados sírios em 4,5 milhões de habitantes”. Até ao final do ano, os sírios serão 26% da população. A ONU já lançou vários apelos e por mais de uma vez António Guterres veio dizer que o Mundo não vive uma crise desta dimensão desde a Segunda Guerra Mundial. Os EUA vão pondo dinheiro no problema, com ajudas aos países africanos e do Médio Oriente que acolhem populações, na expectativa de que os dólares abafem o problema. A Europa, com David Cameron na ponte de comando, procura mercenários, ergue muros e estende arame farpado.
Os milhões que fogem ao horror, à tortura, à morte, ao desespero – que sofrem ao ponto de se lançarem numa aventura de anos e de milhares de quilómetros percorridos em condições impensáveis – não se travam com barreiras nem com canhoeiras.
Fernando Nobre, domingo à noite, na SIC Notícias, não escondeu a justa indignação. Há mais de uma década que a OCDE vem alertando para que este problema surgiria e a solução teria de ser política e económica. Não pode ser belicista, se quiser ser solidária e civilizada. Ninguém consegue travar, com repressão, populações que lutam pela sobrevivência. Como chegámos aqui? O presidente da AMI respondeu: “Falta liderança na Europa, falta vontade política, falta mundividência, falta sensibilidade e falta conhecimento.” Sobra o drama. Por cá, em época de pré-campanha, era bom que houvesse coragem para dizer que os países do Sul da Europa não podem reclamar a solidariedade dos do Norte sem terem presente que, mais para sul, tudo é bem pior.