No século XIX, nas nações mais industrializadas do mundo, e na ressaca das cargas excessivas de trabalho, que na época chegavam às 16h diárias, movimentos sociais conseguiram, gradualmente, ir estabelecendo o padrão 8h+8h+8h: 8h para trabalhar, 8h para desencasar (nomeadamente dormir) e 8h para lazer.
Atualmente, na maior parte dos países desenvolvidos, esse padrão existe, pelo menos na lei. Porém, cada vez são mais os casos, também nesses países desenvolvidos, de burnout. Pessoas que entram em exaustão psicológica em consequência da gestão do dia-a-dia, nomeadamente em função das exigências do trabalho.
Assim, a questão emerge: 8h de sono é a quantidade medicamente recomendada; 8h parece uma boa dose do tempo diário para o lazer; 8h de trabalho parece razoável. Donde surge, então, o burnout e o stress crónico, que são já uma marca das sociedades modernas?
A resposta encontra-se na diferença entre a teoria e a prática: na verdade, muitos estudos demonstram que as sociedades modernas vivem em privação crónica de sono (ou não se dormem as 8h ou o sono não é de qualidade) e as 8h de lazer são uma miragem – entre tarefas domésticas (cozinhar, arrumar, limpar, organizar e manter a casa), tarefas de cuidar (de crianças e/ou idosos, que envolvem transporte, alimentação e demais cuidados) e tempos de deslocação casa-trabalho-casa (em que muitas pessoas gastam, facilmente, 2h por dia) pouco sobra de verdadeiro tempo de lazer. Acresce a isso que as 8h de trabalho muito frequentemente se transformam em mais, nomeadamente graças à digitalização, que permite o trabalho remorto e o estar sempre contactável, ou à capacidade que muitos trabalhos têm de nos continuar a ocupar a mente, mesmo que tenhamos terminado as tarefas do dia.
Ou seja, na verdade, essa regra de ouro não é cumprida.
Essa é, aliás, uma das razões para o crescimento económico nesses países não ter sido acompanhado por um equivalente crescimento na felicidade.
Assim, devemos encontrar novas formas de organização social, conciliadoras do doméstico, do laboral e do lúdico, para que as 8h de descanso sejam mesmo de descanso e que o tempo de lazer possa ficar mais próximo do desejável, cortando-se nos desperdícios de tempo, no trabalho e fora dele.
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ A alta performance é incompatível com a carga excessiva
+ O consumidor-produtor e a felicidade
+ A importância da beleza relacional
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.