Uma das grandes virtudes dos mercados e da economia de mercado é, pelo menos quando há suficiente concorrência, fazer com que os bens e serviços produzidos na economia vão ao encontro às vontades dos consumidores. No jargão económico, chama-se a isso a soberania do consumidor, denotando a ideia de que é o consumidor quem manda, vendo satisfeitas as suas vontades.
Na prática, as coisas são mais complexas. Primeiro, porque abundam as situações de baixa concorrência (como os oligopólios), em que os consumidores perdem muito poder. Depois, porque as vontades dos consumidores são sugestionáveis (por isso a indústria da publicidade é tão próspera). Ou seja, mesmo numa economia de mercado, o consumidor não tem tanto poder, nem fica tão satisfeito, quanto teoricamente poderia. Mesmo assim, ainda não foi inventado nenhum outro sistema económico que vá orientando tanto a produção na direcção das vontades dos consumidores.
Porém, surge um problema. É que, todos nós, somos simultaneamente consumidores e produtores. Mais, passamos muito mais tempo das nossas vidas a produzir do que a consumir. E se o sistema está calibrado para ir de encontro às vontades dos consumidores, já não faz o mesmo no que diz respeito às nossas vontades enquanto produtores. É que, mesmo existindo os mercados de trabalho, em que podemos tentar escolher o trabalho que preferimos, esses mercados são muito imperfeitos, tipicamente com menos entidades a oferecer postos de trabalho do que gente a procurá-los. Adicionalmente, há coisas que são boas para nós enquanto consumidores, mas más enquanto produtores: ter um centro comercial ou hipermercado aberto ao domingo é óptimo do ponto de vista do consumidor, é mau do ponto de vista de quem está a produzir, se quisesse passar o domingo com a família; pagar preços low-cost é óptimo para o cliente, receber remunerações low-cost não é muito agradável. Esta é, aliás, uma das razões pelas quais o continuado crescimento do PIB nos países mais desenvolvidos não tem sido muito capaz de aumentar os níveis de felicidade nas últimas décadas. Temos conseguido satisfazermo-nos enquanto consumidores, nem tanto enquanto produtores.
E, assim, chegamos àquelas situações em que a virtude se encontra no meio. A meio caminho entre os nossos interesses enquanto consumidores e enquanto produtores, quando esses interesses divergem, e no seio daquelas situações em que os nossos interesses enquanto consumidores estão alinhados com os nossos interesses enquanto produtores (ex: quando, por termos boas condições de produção, prestamos um melhor serviço ao consumidor, ou porque, ao recebermos bem enquanto produtores melhoramos as nossas condições de consumo). A lição é simples: apostemos nas virtudes do centro e não deixemos o sistema descalibrar.
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