Quando, em 1934, o economista estadunidense Simon Kuznets lançou o indicador de medição do valor de mercado da produção agregada das nações, a que se deu o nome de Produto Interno Bruto, PIB (GDP – Gross Domestic Product, no original), teve o cuidado de declarar o seguinte “o bem-estar de uma nação muito dificilmente pode ser inferido através de uma medida do rendimento nacional”. Porém, e como muitas vezes sucede na história das ideias, aquilo que foi dito por quem teve a ideia vai sendo deturpado pelos ares do tempo e pelos interesses dominantes. No caso do PIB, esse processo de deturpação foi evidente: um indicador de produção (não de bem-estar), converteu-se no alfa e ómega do progresso. Dos economistas, passando pelos políticos e pelo público em geral, todos cristalizaram a ideia de que, mais coisa menos coisa, progresso é aumentar a produção nacional.
De tal forma é assim, que o crescimento do PIB tornou-se o principal critério de avaliação dos políticos em democracia. Quando o PIB cresce muito, os governos ganham eleições; quando estagna ou decresce, os governantes acabam por perder o poder.
O problema de tudo isto está no facto de o PIB não ser “o progresso”. Kuznets sabia-o bem. E, hoje, temos dados científicos, novos, que corroboram a percepção de Kuznets e que desmentem a percepção pública, e dos políticos, sobre a omnipotência do PIB. A não ser que se entenda que as nações são como uma empresa cujo objectivo vital fosse o aumento da sua produção, o PIB não é o indicador certo para medir progresso/sucesso civilizacional.
Verdadeiramente, o objectivo último de um qualquer indivíduo é ter o máximo de esperança de vida, com a máxima felicidade possível. Por isso, a métrica que devemos usar para medir o sucesso nacional são os “anos de vida feliz”, que se obtém multiplicando a esperança média de vida (EMV) pela felicidade média da nação. E os dados não mentem: quer com a felicidade, quer com a EMV, a relação com o PIB não é linear, apresentando rendimentos marginais decrescentes. Isto significa que, à medida que uma nação se torna mais rica, a capacidade de transformar a riqueza adicional em anos de vida feliz adicionais vai diminuindo. Por isso, temos países com PIBpc não muito elevados, mas com muitos anos de vida feliz e, outros, com PIBpc maiores e com menos anos de vida feliz.
Uma nota final. O PIB costuma ser expresso por pessoa, ou seja, o PIB pc (per capita), para se comparar países com diferentes tamanhos populacionais e ver, em média, quanto rendimento cabe a cada pessoa. Acontece que, no que toca aos rendimentos, em todo o mundo, as desigualdades são muito elevadas e a distribuição não segue a curva de Gauss. Isto é, quando poucos têm muito e muitos têm pouco, a média é um indicador mentiroso sobre a real condição do cidadão típico. Já quando falamos de felicidade ou de EMV, as desigualdades são muito menores e a distribuição aproxima-se mais da Normal. Neste caso, a média passa a ser um bom indicador da situação da pessoa comum daquela nação.
Por tudo isto, é tempo de haver uma inflexão no discurso político e na percepção pública da verdadeira relevância do PIB. O PIB é apenas um meio, nunca o fim. E o que temos de maximizar são mesmo os anos de vida feliz.
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