Num paper já clássico da literatura da economia da felicidade, Rafael Di Tella, Robert J. MacCulloch e Andrew J. Oswald conseguiram avaliar o impacto que a inflação e o desemprego têm sobre a felicidade das pessoas (no seu bem-estar subjectivo). E a conclusão foi clara: quer a inflação, quer o desemprego, são destruidoras de felicidade, embora o impacto negativo do desemprego seja quase o dobro do impacto da inflação. Este resultado empírico é importante, uma vez que os modelos económicos tradicionais assumem (erradamente) que o impacto negativo destas duas variáveis é igual.
Com este resultado em mente, devemos avaliar os bancos centrais no seu papel enquanto entidade de regulação macroeconómica, nomeadamente através da política monetária. Aliás, o séc. XXI tem sido terreno fértil para a actuação destes bancos em face das sucessivas crises que o mundo tem atravessado, desde a bolha das dotcom, à crise do subprime e das dívidas soberanas, passando pela pandemia, até à crise inflacionária actual, em consequência das disrupções logísticas da pandemia e da guerra na Ucrânia. Em todas essas crises, os bancos centrais têm tido comportamentos erráticos, dados os seus mandatos e a eficácia (ou falta dela) das suas políticas. Nessas crises, já aconteceu os bancos centrais tentarem animar as economias com a baixa das taxas de juro e com a injecção de liquidez, mas as economias tarde ou nunca reagirem (numa forma de armadilha da liquidez). E acontece, agora, tentarem travar uma inflação provocada pela oferta, com subidas fortes das taxas de juro, com fortes riscos de depressão e desemprego (causando estagflação).
Numa sociedade bem ordenada, todas as instituições têm que ter como objectivo último a felicidade sustentável dos povos. E as instituições económicas, como os bancos centrais, não podem fugir a esse objectivo.
Infelizmente, ainda há um longo caminho para percorrer até que essa transformação se dê. Na prática, teremos que corrigir modelos teóricos defeituosos que conduzem a política monetária e refazer os estatutos dos bancos centrais para que possam ser, verdadeiramente, instituições eficazes e eficientes na promoção da felicidade das nações. Exemplo simples: anda bem a Reserva Federal dos EUA quando tem no seu mandato o combate à inflação, mas também ao desemprego. Anda mal o Banco Central Europeu quando dogmatizou o apenas zelar pela inflação, ainda por cima num valor muito baixo. Se quisermos ser científicos, devemos olhar para o resultado do paper citado e pôr no mandato dos bancos centrais o combate à inflação e ao desemprego, e com o desemprego a ter o dobro da importância da inflação.
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