No mundo utópico dos mercados perfeitos, os preços dos bens e serviços traduziriam o seu verdadeiro valor para a sociedade. Na realidade, porém, os mercados são muito imperfeitos, a informação é muito assimétrica (uns sabem coisas que os outros desconhecem), há poder de mercado, há cartéis, há publicidade enganosa, fraudes e vieses cognitivos (muitas vezes escolhemos o que não é bom para nós).
Enfim, na prática, os preços que pagamos pelos bens e serviços que consumimos não representam a sua verdadeira utilidade social, nem são um indicador fiel da nosso bem-estar e felicidade. A guerra na Ucrânia é um exemplo forte: porque muitos no Ocidente se deixaram (e quiseram) enlear pelo sistema de Putin e suas propostas energéticas e industriais, estão os ucranianos a sofrer uma invasão, e todos nós a sofrer disrupções económicas.
Sim, se nunca se tivesse comerciado com Putin e o seu regime, esta guerra não estaria a acontecer. O facto é que os preços de mercado escondem, muitas vezes, a iniquidade, a imoralidade, os perigos e os riscos. Em economia, chamam-se a esses efeitos externalidades. Mas uns acham que as externalidades são as excepções. Verdadeiramente, são a regra. Por isso, temos que passar a ter uma intervenção mais assertiva sobre o sistema de preços, para que neles passem a estar incorporados todos os custos sociais.
Quando importamos bens da China, estamos a importar a exploração laboral. Dá jeito pagar um preço baixo por um par de sapatilhas. Mas a precarização da classe média ocidental desde que a China aderiu à Organização Mundial do Comércio é um custo demasiado elevado que temos estado a suportar.
A pandemia e as alterações climáticas são, também, efeitos externos da globalização de mercado que não têm sido incorporados no sistema de preços. As tais sapatilhas baratas trazem agarradas o perigo de pandemias (os vírus que podem vir nos contentores), os danos ambientais (as empresas poluentes nos países subdesenvolvidos onde não existem regulamentações ambientais) e os riscos políticos das ditaduras que controlam esses países ganharem poder económico e militar que pode vir a ser usado contra nós, o Ocidente democrático.
Vejo, agora, alguns economistas a despertarem para estes problemas. Mas é caso para dizer “tarde piaste”. É que foram muitos os economistas que se comportaram como verdadeiros sacerdotes da liberalização do comércio internacional, que teve como principais beneficiários as empresas multinacionais, oligarcas de todo o mundo e alguns políticos ocidentais a quem deu muito jeito “fechar os olhos”. Como perdedores, temos as classes médias ocidentais que viram o seu poder de compra estagnar (apesar dos preços baixos de certos bens importados) e os equilíbrios ecológicos e geopolíticos que estão, hoje, profundamente ameaçados. E estes equilíbrios não são de somenos: são riscos existenciais para a humanidade!
Se o Ocidente se quiser manter como o espaço da liberdade, tem que parar de dormir com o inimigo. Tem que comerciar apenas entre democracias, repetidoras dos direitos humanos e ambientais.
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