Em Portugal, os “Loucos Anos 20” são anos de afirmação de liberdade que também se espelha no universo religioso através de uma curiosidade latente na sociedade, especialmente nos grandes centros urbanos, abertos ao cosmopolitismo. São os frutos do ambiente da I República que estilhaçou o medo da busca espiritual e religiosa.
Em 1925 teve lugar, em Lisboa, a primeira atividade das Testemunhas de Jeová, em Portugal. No início desse ano, um missionário canadiano, George Young, inicia o trabalho que conduzia a que, no dia 13 de maio, J. F. Rutherford se deslocasse a Lisboa, depois de ter passado por Barcelona e por Madrid, e proferisse uma conferencia no ginásio do Liceu Camões, com o título “Como Viver na Terra Para Sempre”.
A imprensa divulgou amplamente o evento e calcula-se que tenham assistido ao evento cerca de 2000 pessoas, muitas delas atraídas pela suposta distribuição de um elixir da longa vida. Ainda nesse ano, era publicada em português a revista A Torre de Vigia que, no ano seguinte, tinha já 450 assinantes, tendo os primeiros batismos tido lugar em 1927.

Mas em 1926 começava a mudança de regime político. O ambiente de liberdade desses “loucos anos 20” deu lugar à intolerância dos anos 30 e 40. O clima de perseguição social era comum a Maçons, a Judeus, a Testemunhas de Jeová e a Protestantes e Evangélicos. A vontade normativa, niveladora através de um rolo compressor religioso, cultural e mental foi de uma eficácia tremenda.
A perseguição social, o anátema da comunidade envolvente, a violência psicológica autorizada pelo clima de intolerância do Estado Novo, conduziram as comunidades religiosas minoritárias a uma vivência de medo constante.
As Testemunhas de Jeová sofreram uma clara, sistemática e institucionalizada perseguição durante o regime de Salazar. Com várias tentativas de legalização, no final da década de cinquenta, esta comunidade passa a ser regular alvo de vigias por parte da polícia política. O crescente isolacionismo do regime ditatorial, via nas confissões religiosas um potencial baluarte de potências estrangeiras e, sobretudo, críticas do regime.
A base da hostilidade encontra-se em dois aspetos: por um lado, recusam toda e qualquer forma de homenagem aos símbolos nacionais, e por serem objetores de consciência. Este clima leva a que em 1961 tenham lugar as primeiras prisões de Testemunhas de Jeová. Alguns dos objetores de consciência de início da década de sessenta foram enviados para a frente de combate para uma morte certa.
Em 1963 tinha lugar o primeiro julgamento de um grupo de membros desta religião, em Aveiro. O clima social era crescentemente antagónico e, no verão de 1963 , eram transmitidos na televisão um grupo de cinco programas apresentados pelo Pe. João de Sousa sobre os perigos das Testemunhas de Jeová. Vária imprensa escrita publica fake news sobre os membros e as atividades desta religião, fomentando um ostracismo que duraria várias décadas, mesmo após o 25 de abril. As publicações da Sociedade Torre de Vigia são muitas vezes confiscadas durante o Estado Novo.
Em 1966 teve lugar um julgamento verdadeiramente histórico. O Tribunal Plenário Criminal de Lisboa levou a julgamento um grupo de membros das Testemunhas de Jeová da congregação (comunidade local) do Feijó, que no ano anterior tinham estado numa reunião que fora interrompida pela PIDE. Das setenta pessoas presentes nessa reunião, os dois líderes foram presos por quase cinco meses, tendo no final sido formada a acusação a quarenta e nove membros por “crime contra a segurança do Estado”. Acrescentava a acusação: “Constituem um movimento político, vindo de países diversos para fins de desobediência, agitação e subversão das massas populares e, designadamente dos mancebos em idade militar”. O jornal O Século afirmava que na sessão de julgamento, estariam mais de 5000 pessoas nas imediações do tribunal a acompanhar o julgamento.
Sem interrogatório ou defesa, todos foram condenados, entre quarenta e cinco dias e cinco meses e meio de prisão. Penas confirmadas pelo Supremo Tribunal, era decretado cumprimento da prisão ou o pagamento de multas. Contra o que as autoridades esperavam, na manhã do dia 18 de Maio de 1967, o grupo de condenados dirigiu-se a pé desde o Largo da Boa Hora até às Cadeias do Limoeiro e das Mónicas, sem escolta policial, a fim de se entregarem.
Só após o 25 de Abril de 1974 as Testemunhas de Jeová viveram um clima de liberdade religiosa. Com o estatuto de Religião Radicada, os membros desta religião dão hoje corpo a uma das maiores minorias religiosas em Portugal, exatamente com 100 anos de história, metade dela em clima de perseguição.
Hoje, em Portugal existe uma Filial das Testemunhas de Jeová, um Betel, em Alcabideche, onde se encontram centralizados os serviços da confissão. São cerca de setecentas congregações, um pouco por todo o país. As Testemunhas de Jeová agremiam hoje, pelo Censos de 2021, 63.609 membros, sendo que 36% residem na Área Metropolitana de Lisboa (22.845), contrariando uma visão tradicional que remetia o seu crescimento para regiões rurais.
Para além da presença já reconhecida na paisagem urbana, depois de terem mudado a forma de abordagem do porta-a-porta para uma posição mais passiva junto a pontos de passagem ou terminais de transportes, as Testemunhas de Jeová organizam regularmente grandes encontros internacionais.
No Congresso Internacional das Testemunhas de Jeová, entre 28 e 30 de junho de 2019, estiveram mais de 63.000 pessoas, ao mesmo tempo, no Estádio da Luz, em Lisboa, tendo sido convidados 5.300 delegados de 46 países, que se reuniram sob a égide do tema “O Amor Nunca Acaba”.
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