Esta semana cruzei-me com um negacionista. É como avistar extraterrestres: há a perplexidade de percebermos que eles existem mesmo, e algum receio de sermos abduzidos para uma galáxia distante, em que os humanos são descritos como “carneirada”. Podíamos pensar que se trata de uma espécie em vias de extinção, agora que a pandemia perdeu honras de primeira página, mas se há virtude que devemos reconhecer aos negacionistas é a capacidade de renovação constante. Tal como os lagartos, cuja cauda se regenera depois de cortada, se começam a ficar na cauda dos assuntos do momento, aderem a uma teoria da conspiração mais actual (e não, com esta alusão a lagartos não estou a insinuar que são reptilianos, deixo isso para profissionais dos boatos infundados).
Estas figuras de proa do negacionismo, que se evidenciaram durante os confinamentos, ainda hoje se desdobram em directos intermináveis no Facebook, partilham textos de reputados especialistas sul-americanos que dizem TODA A VERDADE (nunca é só um bocadinho da verdade, é sempre toda), e entrevistam-se constantemente uns aos outros. É como se não tivessem reparado que já acabou o lockdown e podem sair. Eram contra o “fiquem em casa” mas passam a vida em frente ao computador. Detestam órgãos de comunicação social mas transformam os seus perfis nas redes sociais em estações de televisão, onde fazem os noticiários, a novela da noite e as televendas. Acredito que a quantidade de desinformação difundida por estas pessoas diminuiria drasticamente com um simples telefonema. A chamada de um director de programas, a convidá-los para substituírem o Jorge Gabriel no programa da manhã. São pessoas que adoram ouvir-se, e têm tanta convicção nos benefícios da banha da cobra que venderiam Calcitrin e afins com grande alegria, até porque são produtos que prometem a cura de todas as doenças, mas não dão dinheiro às maquiavélicas farmacêuticas.
Foi numa quinta de casamentos que me cruzei com este activista anti-DGS e, de facto, por mais estranho que pareça, o dia em que se diz o “sim” é perfeito para os profetas da negação espalharem a palavra. Não só pelo teor alcoólico das bebidas servidas aos convidados, mas sobretudo porque todos vivemos, nesses momentos, uma suspensão da descrença. Aquele mecanismo mágico que nos faz acreditar que os animais falam quando lemos uma fábula de Esopo, e nos faz crer que a Sara e o Rui serão felizes para sempre, ainda que estejamos a par dos números do divórcio em Portugal (penso que destes nem os negacionistas duvidam). Uma boda é uma ocasião perfeita para nos fazerem acreditar que o coronavírus foi desenvolvido em laboratório, que Bill Gates implantou chips 5G em todos nós, e que a guerra na Ucrânia é tudo Photoshop. Mas no dia seguinte acordamos com uma dor de cabeça monstruosa, percebemos que nada disso faz sentido, e contribuímos para a prosperidade da Jaba Recordati, adquirindo um tubinho de Guronsan.
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