O leitor não tem dado atenção aos gurus do empreendedorismo. Está a ler isto, em vez de estar a empreender. Prepara-se para ficar mais de dois minutos sem inovar. Borrifa-se despudoradamente na competitividade. Que se passa? Não ouviu os sacerdotes do trabalho? Não se sentiu inspirado pelas palestras de motivação? Se calhar, não fala empreendedorês. Não recebeu inputs, perdeu a oportunidade de desenvolver o know-how e agora não consegue dar feedback. Não tem drive nem mindset de mercado para abordar um cluster de empresas e mostrar-lhe os seus skills técnicos. Impressionante, a sua incúria.
Nutro um grande fascínio pelo mundo do trabalho, até porque nunca tive um emprego a sério. Por isso, foi com muito agrado que me dediquei a ouvir os novos guias espirituais do empreendedorismo, da inovação e da competitividade. Posso fazer-lhe um resumo. O leitor quer singrar? Seja empreendedor. Pronto, começam as objecções. O leitor, com a sua costumeira impertinência, acha que, uma vez que empreender é sinónimo de fazer, sugerir a quem não sabe o que fazer que empreenda acaba por ser igual a coisa nenhuma. Calma. Há que educar o gosto para este tipo de aconselhamento. O leitor ainda quer singrar? Então, inove. É outro truísmo? É mais fácil falar em inovação do que ter, de facto, ideias inovadoras? Mau, mau. Começo a aborrecer-me com a resistência do leitor. Deixe-me continuar a analisar o pensamento destes profissionais cujo trabalho é recomendar ao leitor que trabalhe.
Primeira ideia: é preciso chegar mais cedo ao emprego e sair mais tarde. Dito assim, parece pouco, mas o conselho tem de ser dado aos gritos, em pose dinâmica e empreendedora. O leitor fará o favor de imaginar que tenho o punho dramaticamente cerrado e a veia do pescoço saliente: é preciso chegar mais cedo e sair mais tarde. Vê como impressiona? E é uma ideia verdadeiramente inovadora. Há poucos dias saíram na imprensa dois testemunhos de um rapaz e uma rapariga portugueses que tinham tido uma experiência de trabalho no estrangeiro. Ela, nos Estados Unidos; ele, na Alemanha. Ambos se apresentaram ao trabalho antes dos colegas e saíram depois – para mostrar serviço. Ambos foram chamados ao director. O rapaz da Alemanha foi intimado a respeitar o horário de trabalho, porque há uma coisa chamada “lei” (eu também nunca tinha ouvido falar) e porque, no entender da administração daquela empresa, quem não conseguia fazer o seu trabalho a horas estava a fazê-lo mal. À rapariga dos Estados Unidos, foi-lhe comunicado que iria passar a estar debaixo de olho, porque quem fica no trabalho até tarde são, normalmente, as pessoas que se dedicam à espionagem industrial. Veja como o conselho dos novos gurus, estando em linha com a mentalidade chinesa, representa um corte com a prática ocidental. Parece que eles, lá na civilização, dividiram o dia em três partes: uma para trabalhar, outra para dormir e outra para o lazer. E é assim que se organizam, os estúpidos. Dizem que o lazer, de que os nossos gurus têm nojo, até faz movimentar uma indústria de milhões. Mesmo assim, na Alemanha e nos Estados Unidos ninguém diz às pessoas para chegarem mais cedo e saírem mais tarde do lazer. Eles sabem que isso seria tão idiota como pedir-lhes para chegarem mais cedo e saírem mais tarde do emprego.