Dizíamos, Fogo!, prolongando o primeiro “ó”, onda rasteira que se desfazia contra a sílaba final. Fooogo! A interjeição servia para exibirmos surpresa, indignação ou contrariedade. Por tudo e por nada, Fooogo! Os outros também o diziam, mas não tanto quanto nós, os do Grupo da Sebe.
És do Grupo da Sebe, não posso ser tua amiga, respondeu-me a Cristina quando lhe perguntei se queria fazer comigo os trabalhos de casa de Geografia. Estávamos no 8º ano. A Cristina, que se sentava na carteira à frente da minha, era filha de uma professora de Físico-Química das turmas da tarde. Nunca tinha ouvido nomear o Grupo da Sebe, mas soube logo do que se tratava: no limite mais afastado do edifício da escola, um acentuado declive impedia os adultos, professores ou funcionários de nos verem. Naquele recanto, a sebe que tapava o gradeamento ficava por podar, caindo luxuriante sobre o baldio do outro lado. Era nesse sítio que eu e outros desgarrados nos encontrávamos nos intervalos das aulas ou quando tínhamos furos. Havia, portanto, o Grupo da Sebe e eu fazia parte dele. Aquilo a que pertencemos raramente tem que ver com a nossa vontade, decisão ou empenho. São os outros que nos aceitam ou rejeitam, que nos encaixam aqui ou arrumam acolá. Podemos pertencer ao que nem sonhamos existir ou vivermos na margem das águas em que nos julgamos diluídos.