Alugámos a casa em setembro de 2000. O edifício de duas frentes era forrado a azulejos azuis e brancos. Ficava na primeira esquina da Travessa do Almargem, ruela que desce da lateral da Sé até ao Campo das Cebolas, naquela Lisboa desbotada do filme Recordações da Casa Amarela, de João César Monteiro. No interior, as pequenas divisões comunicavam quase todas, numa circularidade típica das casas pombalinas, e estava cheia de móveis usados que fomos tornando nossos. Era uma casa velha, cheia de coisas velhas, numa velha rua, do bairro mais antigo de Lisboa, e nós, que éramos muito jovens, recém-chegados para estudar, fizemos dela o lar da nossa família de amigos.
Foi nas paredes descascadas que colámos as nossas fotografias e um poster do Bob Marley. Foi nas costas das cadeiras desirmanadas que o Jorge e a Joana sobrepuseram todos os seus casacos, dia após dia. Foi na poltrona verde-escura que me entrincheirei para ver a novela ao serão, recusando-me a ir tomar café à tasca do sósia do John Travolta. Foi na secretária do Pedro que fizemos quase todas as diretas para acabar os trabalhos da faculdade. Foi no sofá grande que ouvimos, entusiasmados, as histórias mais mirabolantes da mãe da Mariana e nos encantámos pela sua gargalhada total. Foi na cozinha que aprendi a cozinhar, para seis pessoas, todos os dias. Foi na sala que vimos, em êxtase, o FCP ganhar a Taça UEFA e a Liga dos Campeões. Foi lá que o Tiago e a Laura se conheceram para, mais tarde, casar e ter a Clarinha. Foi lá que a Sandra e o João começaram a namoriscar para, mais tarde, casar e ter o Eduardo. Foi naqueles varandins, com estendais pendurados, que percebemos a impossibilidade de evitar o cheiro a sardinha que emana de Alfama durante o mês de junho. Foi lá que aprendemos o que é a liberdade da vida quase-adulta e a responsabilidade de tomar conta de nós e da nossa casa.