Recuemos no tempo, até 2012, para lembrar uma menina que, no Paquistão, escapou à morte às mãos de um talibã no trajeto entre a escola e a sua casa: Malala Yousafzai. Naquele dia, Malala foi baleada. Porém, e mais do que simbolicamente, aquela bala atingiu-nos a todos enquanto Humanidade.
Tudo quanto essa barbaridade encerra transporta um peso que nos impele ao questionamento sobre o estado a que os Direitos Humanos chegaram um pouco por todo o globo. Ali se atacou a vida de cada ser humano, de cada criança e de cada mulher. Ali se feriu o direito à igualdade, à educação, ao acesso ao conhecimento, bem como o direito a um futuro melhor e mais consciente que só a formação num clima de paz nos pode dar.
Passaram já 48 anos desde que a ONU reconheceu o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, todavia, o caminho a percorrer até se alcançar uma verdadeira justiça em matéria de igualdade de género afigura-se ainda difícil em muitas latitudes, incluindo em diversas sociedades democráticas.
São múltiplos os exemplos de atrocidades que estão a acontecer neste preciso momento. Recuando apenas até ao início deste ano de 2025, as Nações Unidas destacaram já variadíssimas situações de recuo ou de perigo iminente em matéria de Direitos Humanos e de Direitos das Mulheres em particular. Os casos são múltiplos, impactantes e que não se esgotam minimamente nos seguintes exemplos.
Na Ucrânia, desde o início da guerra, foram já assassinadas mais de 3799 mulheres e 289 meninas, sendo que 1,8 milhão de mulheres se encontram forçadamente deslocadas no país e 6,7 milhões precisam de ajuda humanitária, tendo aumentado assustadoramente os níveis de depressão.
Em mensagem recente, à margem do Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina (dia 6 de fevereiro), o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou para o facto de, pelo menos, em 92 países a mutilação genital feminina continuar presente, gerando uma profunda brutalidade contra a igualdade de género, com danos físicos e mentais profundos, para além dos inerentes riscos de saúde que podem levar à morte, estimando-se que 27 milhões de meninas estejam em risco até 2030. Na República Democrática do Congo, a intensificação dos combates entre as forças do governo e os rebeldes do grupo armado M23 tem originado diversos ataques a civis com a prática de atos de violência sexual que incluem muitas dezenas de violações, violações em grupo e casos de escravidão sexual. No Afeganistão, após a perseguição brutal encetada pelo regime talibã às juízas afegãs, prosseguiram as perseguições com base no género, privando-se as mulheres do acesso a empregos, educação e de frequentar espaços públicos. Nessa sequência, e pela primeira vez, e numa decisão histórica, o Tribunal Penal Internacional emitiu mandados de detenção contra as lideranças dos Talibã.
Mas, para além destes exemplos mais chocantes, a verdade é que a questão os direitos das mulheres, da igualdade de género e da não discriminação continua premente e atinge também as sociedades modernas e ocidentais, baseadas constitucionalmente em pilares democráticos e no Estado de Direito.
Afigura-se muito preocupante que, no ano de 2024, em 31 eleições presenciais diretas realizadas em todo o mundo, apenas cinco mulheres (na Moldávia, México, Islândia, Namíbia e Macedónia do Norte) se tenham tornado presidentes, sendo que a representação parlamentar feminina é genericamente baixa um pouco por todo o mundo, apenas se registando níveis iguais ou superiores a 50% em seis países (Ruanda, Cuba, Nicarágua, Andorra, México, Nova Zelândia e Emirados Árabes Unidos).
Num ano em que se assinalam 30 anos sobre a Plataforma de Ação de Pequim, (adotada, em 1995, na 4ª Conferência Mundial da ONU sobre as Mulheres, e em que 189 países instituíram uma nova forma de pensar as políticas de igualdade), o que se constata é que, ao ritmo atual, a igualdade de género nos mais altos cargos políticos só será alcançada daqui a 130 anos. Trata-se de uma conclusão da própria ONU e que nos deve encher de preocupação quanto ao futuro que seremos capazes de deixar para as jovens e meninas de que muitos de nós são pais.
Portugal não pode deixar de estar alerta para esta realidade, impondo-se a prossecução séria de medidas de defesa dos Direitos Humanos, salientando-se, quanto à igualdade de género, a necessidade de um reforço da legislação em matéria de não discriminação salarial, de promoção de igualdade no acesso à educação e à cultura, de melhoria de acesso à Justiça por parte das vítimas, de criação de políticas mais assertivas de conciliação entre o trabalho e vida familiar, bem como de reforço dos direitos parentais, ao que deve acrescer a efetivação de políticas de maior inclusão e de criação de oportunidades para grupos vulneráveis.
No nosso país são ainda pontuais os casos de mulheres que acedem a cargos de destaque em matéria de liderança, designadamente no âmbito dos cargos executivos ou políticos e ao nível das posições de destaque no âmbito das magistraturas. Num contexto global particularmente conturbado, o dia 8 de março apresenta-se, assim, como um dia de importância reforçada, como um dia de alerta que nos convoca para uma vigilância ativa em prol dos direitos das mulheres e das meninas, em prol dos Direitos Humanos e em defesa das nossas conquistas civilizacionais que, mesmo nas melhores democracias, não estão consolidadas em absoluto.
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