Não quero parecer uma Velha do Restelo. Muito menos cair no cliché de que no meu tempo é que era bom, porque este é o meu tempo e será por muito mais. Mas tenho pensado amiúde que foi uma bênção ter sido adolescente na era pré-internet e redes sociais. Claro que a internet é o advento do século, abrindo infinitos portais de partilha de informação, numa democratização crescente de acesso à Ciência e à cultura. Claro que também dissemina muita desinformação, muito ruído e uma boa dose de discursos de ódio. Mas nem sequer é por isso que agradeço às deusas por ter nascido no ano em que Gabriel García Márquez ganhou o Nobel e Michael Jackson lançou o Thriller. Agradeço porque, não havendo internet, dependíamos uns dos outros para trocar informação, música e cosmovisão.
Comecei a interessar-me pela cultura hip-hop com 15 anos. Intrigavam-me as primeiras manifestações de graffiti na rua, queria descodificar aquelas letras encriptadas, saber de onde vinham, quem as pintava no mistério da noite, como podia começar. Não havia a possibilidade, como hoje, de ficar a saber quase tudo o que se pode saber de teórico sobre o graffiti em meia hora de pesquisa no Google. Demorei meses até conhecer quem soubesse mais do que eu. Fui por tentativa e erro, experimentando sozinha, com a cabeça cheia de dúvidas e a prática cheia de equívocos. Quando finalmente comecei a conhecer alguns gatos-pingados com o mesmo interesse, percebi que aquela manifestação artística, marginal e clandestina fazia parte de uma cultura maior, o hip-hop. Percebi que o rap era a sua vertente musical e que, se começasse a frequentar as festas e os concertos de rap, eu poderia encontrar a minha tribo e aprender mais.