Em 1967, na noite do Festival da Canção, depois de uma estrondosa apresentação da canção Alegria, Alegria, um repórter perguntou ao seu autor e intérprete, Caetano Veloso, o que o levou a escrever sobre Coca-Cola e Brigitte Bardot na letra de uma canção. A resposta foi tão imediata e genial quanto a letra da canção, “o que me levou a escrever sobre Coca-Cola e Brigitte Bardot foi a Coca-Cola e a Brigitte Bardot”. Um grande amigo meu, cúmplice nesta arte da canção popular, por vezes lamenta não ter facilidade em compor uma canção pop, em inventar um refrão, em resolver aquele pedaço de música que passe na rádio, essas coisas assim. Ele é um músico, autor e intérprete genial, e o diagnóstico é simples: é porque ele não gosta. Ele na realidade não gosta, de certa forma rejeita, num processo inconsciente dos mistérios da criatividade, essa aparente facilidade. O Sting não era o único autor de canções nos Police. Mas, nas palavras do baterista Stewart Copeland, era o que escrevia as “boas”, os restantes membros da banda, Stewart Copeland e Andy Summers, só começaram a escrever canções quando se aperceberam de que isso dava dinheiro (novamente, palavras do Stewart Copeland). Porque essa coisa de inventar um refrão que resulte, procurar um tema para uma letra com a qual “as pessoas se identifiquem”, levantar pedras à procura da canção que se faça sucesso, nada disso sequer existe. Realmente não existe, nunca existiu. A poesia, a arte, a sublimação das inquietações de cada um através destes preciosos e misteriosos nacos de melodia e palavras de três minutos e meio, não se procura. Talvez se encontre, mas não se procura. Todo o mistério que faz agitar as sinapses de quem cria, de quem inventa, só ocorre no mero e feliz acaso de se revelar através da verdade. Nunca de outra forma.
Porque quando é verdade, também será verdade noutras sinapses, noutros processos neurológicos, noutros corações. Não existem truques, atalhos ou ferramentas. Aprende-se mas não se ensina. Tenta-se, trabalha-se, deita-se fora, faz-se de tudo para que resulte. Mas que resulte para o próprio, duma forma que talvez possa ter eco nos milhares de canções que se ama, nas que outros deixaram mais atrás e para sempre. Não se faz para que resulte em airplay ou visualizações. Não dá para tentar andar a correr atrás. O que faz escrever sobre Coca-Cola e Brigitte Bardot é a Coca-Cola e a Brigitte Bardot. Assim, fácil. Porque é como tudo: ou é fácil ou é impossível.