Faz por agora quatro anos que eu escrevo estas redações. Não sei se são crónicas, “artigos de opinião” por certo não serão. Não tenho grandes opiniões, para começar. Andar carregado de opiniões, orientações fixas, trazer cravejado na alma, como coisa exterior, que se materializa como palavras na pedra em aguerridas ideias que se vestem como armaduras, é algo de que a minha própria alma se esquiva com horror. Prefiro viver num estado de permanente impermanência perante tudo, afim a tudo, numa fluidez que não permite compromissos rígidos com essa matéria mole que é a vida. Eu não sou contra nada. Sou a favor, em determinados momentos. Mas não me comprometo com grandes opiniões, opiniões grandes. Concordo com todos os pontos de vista, que é como dizer que não me comprometo com nenhum. Olho para estes três mil e tal carateres como as redações da escola. O Meu Magusto, As Minhas Férias Grandes, essas coisas. Engulo o seco horror do “tema livre” a cada página em branco. Preferia sempre ter de escrevinhar sobre o meu magusto, muito mais do que quando era tema livre. Quando a liberdade aprisiona e o cárcere criativo liberta. Estar preso ao ter de escrever aquilo que eu quiser. Quatro anos de redações destas, de tema livre. Orgulha-me conseguir. Às vezes quase que não consigo. Já saíram dois livros com estas redações, já estive na Feira do Livro a autografar redações. Já ouvi relatos emocionados que muito me emocionam. A cada quinzena, o cursor a piscar, como quem diz é agora? O que é que é para pôr aqui?
A minha maneira de conseguir é começar a escrever. Começo e pronto, julgo que assim não me permito a grandes tretas, a coisa vai por ali fora agarrada às margens de qualquer ideia que me assalte a mente. Incrível como já vou em quase 100 redações destas. Ou “composições”. Fico muito emocionado com a questão de haver quem leia. Serve esta composição, julgo, para agradecer, simplesmente só isso, dizer: obrigado. Ainda bem que a ideia de haver quem leia nunca me assalta a mente quando escrevo. Escrevo numa espécie de jogo de ténis contra a parede em que ganhamos os dois, parede e eu, e só contemplo a vossa existência quando envio o email com a redação para a revista e o vou ler aos emails enviados através dos vossos olhos. E meu Deus, já lá vão quatro anos disto. Quatro. Obrigado.
(Crónica publicada na VISÃO 1456 de 28 de janeiro)