MessageO grupo Leya mandou destruir milhares de livros. Edições de Jorge de Sena, Eugénio de Andrade e outros foram na leva. Pelos vistos, é prática habitual da maioria das editoras, conforme nos esclareceu a Ministra da Cultura, vagamente escandalizada. Armazenar e distribuir tem custos – os custos, sempre eles – incomportáveis. E o Estado português, que continua a dispor de recursos para muitos negócios duvidosos e escorregadios, recusa-se, em nome do equilíbrio financeiro, a gastar papel…com papel.
Confesso: não sei onde está a novidade que o episódio encerra: políticos de capa mole e iletrados, obviamente não gastariam um euro a salvar livros. Nas suas biografias, não cabe índice nem prefácio. Nas suas manigâncias e esquemas são gente de título e contracapa e nem para enfeite de escritório servem.
Não são os únicos, note-se.
Uma resma de editores que por aí anda não destoa desta sinfonia da desgraça. Alguns, conheço-os bem: têm lombada de gente grande e esclarecida, mas tanto vendem livros como esticadores para os colarinhos. Ou a mãe, se preciso for. Reclamam-se, com orgulho e a desfaçatez dos livros que não leram, devedores e seguidores do negócio e do sacrossanto mercado, a única religião que conhecem. Com uns e outros, no Estado e nas empresas, está o livro bem servido.
Identificados os criminosos, passemos aos cúmplices.
Neste País de intelectuais serventes e por servir, poucos se levantaram ainda em nome da decência educativa e cultural de um País onde ler, estudar e reflectir ainda parece um comportamento desviante. É claro: não vamos agora começar a boicotar os livros da Leya e os seus autores. O facto de, por vezes, me zangar com o Público, não faz com que deixe de comprar atum no Continente, se é que me entendem. Eu, que não sou daqueles que consideram que só vale a pena entrar nas guerras ganhas à partida, admito que, neste caso, a luta até seria contraproducente. “Manifs” à porta da Leya não me convencem. Tal como deixar de ler o Mia Couto não me faria mais coerente.
Espera-se, contudo, uma palavra dos intelectuais de vários ramos – alguns bem famosos e de edições sucessivas. Miguel Esteves Cardoso já escolheu o seu lado da trincheira, caso raro. Mas há um ruidoso silêncio de outros, tão lestos e certeiros a zurzir os poderes públicos e privados por razões de interesse pessoal ou pé de página. Se esses não falarem em nome das escolas, das prisões, dos hospitais e bibliotecas onde os livros destruídos não tiveram sequer a oportunidade de criar hábitos, despertar sonhos e desbravar mundos, o País fica a saber, em definitivo, que estirpe de intelectuais acoberta. E aí, sim, quase apetece dizer: não os Leya!