Apanhando os portugueses de pezinhos na areia, sem acesso às bibliotecas e arquivos municipais onde passam a vida, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação deu luz verde à nova disciplina obrigatória no Secundário: Literacias. Para já, entra em vigor apenas nas escolas com os “projetos-piloto de inovação pedagógica”. Se conhece jovens nos agrupamentos de escolas de Alcanena, Caneças, Cristelo, Elvas, Marinha Grande Poente, no Colégio Pedro Arrupe ou na Escola Profissional de Jobra, prepare-se para os fervorosos debates no jantar de natal. Vá estudando o Código Civil!
Numa nota mais séria, antes de regressar ao espírito da época, há de facto um desconhecimento geral na população portuguesa sobre dimensões fundamentais na vida coletiva, como a Política, a Economia ou a Fiscalidade. No sistema de ensino atual, é possível rematar um mestrado com brilharete e não dominar o básico da vida em sociedade. Sem compreender o Direito, a Lei, a Democracia ou o sistema de impostos. Que falta a dita literacia, não há dúvida.
Irrealista é acreditar que uma disciplina vai resolver isso. Não era, aliás, esse o objetivo da Educação para a Cidadania? Depositar a formação cidadã numa cadeira de secundário é como esperar que um adulto saiba ordenar os elementos na tabela periódica porque passou a Físico-Químicas no oitavo ano. Os miúdos (as pessoas) levam da escola aquilo de que gostam e aquilo que acreditam ser útil.
A literacia, na aceção que respalda a disciplina, entrou para o debate político há pouco. Começámos subitamente a ouvir falar dela. Geralmente, quando uma pessoa de esquerda e uma de direita falam em “literacia financeira”, a de esquerda refere-se à compreensão do sistema das offshores e da fuga de capitais, a de direita está a pensar em investimentos e ações. Ambas complementares, com algo em comum: quer num caso, quer no outro, não há interesse verdadeiro em que se saiba. Quer quem esconde dinheiro, quer quem lucra a sério na bolsa, não tem interesse em que o mexilhão domine o tema. Ora, como será na política?
O chamado cidadão comum é letrado em muita coisa. Os portugueses têm uma literacia absolutamente incrível em futebol, peixe grelhado ou colchões de espuma. Porquê? Porque há interesse, até comercial e industrial, em que os consumidores dominem os temas para ali empenharem as poupanças. A indústria dos colchões faz um esforço para que toda a gente conheça os benefícios do colchão de espuma, que apesar de tudo é mais quente do que as molas ensacadas. E o Ministério das Finanças? Faz esse esforço? Faça o seguinte exercício: entre num site de uma marca de colchões. Entretenha-se por lá dois minutos a navegar. Surgiu-lhe alguma dúvida? Pois agora entre no site das Finanças. Telefone para as Finanças. Verá como a fabulosa literacia falta até a quem lá trabalha.
Estou a brincar. Não telefone. Não transforme o seu agosto em desgosto. Boas férias.
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