Notícias do mundo da tecnologia de ponta: Musk e Zuckerberg estão há semanas a combinar um duelo. Após anos de picardia nas redes sociais, para êxtase das respetivas claques, dois dos empresários mais ricos e poderosos do planeta decidiram andar ao murro para provar a sua virilidade. Eis o ponto em que todas as obras-primas do cinema e da literatura falharam na tentativa de antecipar a distopia pós-capitalista: esquecer o quanto somos próximos dos orangotangos.
Desejo francamente que o tema tenha passado ao lado de quem me lê. Qualquer coisa é mais interessante do que as tricas dos multibilionários, com especial destaque para a apanha do berbigão. Vá acompanhando as marés, mesmo que esteja em Elvas ou Vilar Formoso. Não lhe servirá de nada fazê-lo, mas poupa em esperança na Humanidade.
Nesta crónica da silly season, evito entrar nos pormenores da deprimente troca de provocações entre o dono da Tesla e o CEO da Meta – até porque está publicada no Twitter, como é costume entre os cavalheiros do mundo dos negócios. Venho apenas propor, como cenário para o duelo, a Estrada da Ameixoeira, em Lisboa. Porque estamos no verão, vou enterrar na areia a vergonha alheia – e não a cabeça, para já – por ver este combate aclamado em todo o mundo.
Musk alega já ter falado com o ministro da Cultura italiano no sentido de garantir uma “epic location” para o combate. Na sequência das conversações com o governo de Giorgia Meloni, a Euronews dá nota de uma competição entre autarcas italianos para receber o combate na sua região – de Pompeia à Calábria, ao anfiteatro de Taormina, na Sicília, construído numa colina sobre o Mar Jónico há 1700 anos. A redução do património cultural e histórico italiano ao estatuto de “local épico” para um combate fútil entre dois bilionários da tecnologia em 2023 resume, na perfeição, a visão neoliberal da Cultura. A História serve para oferecer cenários fotogénicos. A competição entre órgãos políticos para receber este triste espetáculo é a submissão final do ideal de soberania à moral do dinheiro. Se dá visibilidade, dá turismo e, se dá turismo, dá dinheiro e vamos embora. É por isso que este combate tem de acontecer na Estrada da Ameixoeira.
A única forma de vencer tudo o que este combate simboliza é torná-lo ridículo, expondo o ridículo. Se, por esta hora, já percebemos que os valores humanos e humanistas não existem na meta-realidade tecnológica, há que limitar a importação dos fenómenos nascidos nesse universo para o mundo real. No mínimo, há que refletir sobre eles. Cá fora, não vale tudo, há valores e códigos éticos. O caminho para este combate se tornar viável eticamente seria recuperar, na Estrada da Ameixoeira – cenário de alguns dos duelos lisboetas mais célebres do século XIX -, a tradição do duelo ao florete entre cavalheiros cuja honra foi ferida. Se a batalha entre Musk e Zuckerberg envolver recuperar o modelo dos velhos duelos de honra (ilegalizado em 1852), onde dois homens se batem de mãozinha na cintura e florete em riste, com testemunhas seríssimas de chapéu e bengala, até que um dos mosqueteiros golpeia o oponente no ombro ou lhe vaza uma vista, por mim pode ser. Com uma condição: Quem perder, nunca mais foge aos impostos.
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