Só se falava em tuk-tuks quando o TikTok nasceu. As febres eram outras em 2016. Hoje, esta rede social soma mil e quinhentos milhões de utilizadores e está na berlinda por acusações de espionagem. Vários países estão a restringir o TikTok nos telemóveis oficiais, temendo que a aplicação chinesa forneça dados dos utilizadores à cúpula de Xi Jinping. Cibersegurança. Ao mesmo tempo, ficámos a saber que o mercado português do livro é o que mais tem crescido na Europa – em parte, graças aos vídeos espalhados por adolescentes no TikTok. É preciso ter azar. Agora que finalmente tinha surgido algo capaz de estimular a leitura em Portugal – milagre! – parece ser um alvo a abater, como o balão chinês. Não há, de facto, Tik sem Tok.
A lista de países onde o TikTok está proibido nos dispositivos dos funcionários do Estado tem crescido nas últimas semanas. Depois dos membros da aliança “Cinco Olhos” – EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia – seguiram-se a França, a Holanda, a Estónia, a União Europeia e a NATO. A aplicação TikTok é detida pela empresa chinesa Bytedance, que garante ser independente do Estado chinês. Ainda assim, a recolha extensiva de dados dos milhões de utilizadores em todo o mundo, sem destino claro, tem alarmado os organismos ocidentais.
O TikTok é uma rede social onde os utilizadores editam e partilham vídeos curtos, maioritariamente a cantar por cima de músicas, repetir coreografias, responder a desafios ou fazer pequenas performances. É particularmente popular entre crianças, adolescentes e jovens adultos. Tal como as outras redes sociais, é altamente aditiva e tem como negócio a publicidade, a recolha e a venda de dados dos utilizadores.
Na semana passada, Portugal tornou-se no segundo país da União Europeia a ser palco de um processo em tribunal contra a empresa. A associação de defesa dos direitos do consumidor Ius Omnibus entregou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa duas ações, pedindo indemnizações para utilizadores menores de 13 anos (de 450 milhões de euros) e para os restantes (670 milhões de euros). Ambas por lucro abusivo, resultante da recolha de dados íntimos, relacionados com o estado emocional e o perfil psicológico dos utilizadores. Isto é particularmente grave no caso das crianças e jovens, mas afeta-nos seriamente a todos. Daniela Antão, secretária-geral da associação, alerta para o risco destas “políticas de privacidade opacas” que não informam os utilizadores sobre que dados são recolhidos dos telemóveis, nem qual o seu destino. É esperado que, só em Portugal, mais de três milhões e meio de utilizadores da plataforma tenham direito a indemnização.
Logo agora que a coisa estava a resultar no setor do livro. Grande galo. De acordo com uma pesquisa da Publishers Association, 59% dos jovens entrevistados apontou o TikTok como base de referência para as suas escolhas de leitura. É um fenómeno mundial. Nos EUA, os últimos relatórios do NDP BookScan apontam as redes sociais como principais responsáveis pelo crescimento das vendas – e, em particular, as publicações dos mais jovens sobre livros com o hashtag #BookTok. Segundo a empresa GfK, o mercado português atingiu em 2022 o maior volume de faturação desde que os números são estudados, há 15 anos. A recomendação de um jovem muito popular no TikTok basta para que se esgote um livro. Sabendo que as redes sociais são plataformas de vendas por impulso, importa ter consciência de que comprar não significa ler. É, ainda assim, inegável o caráter positivo do interesse e da aproximação dos jovens ao livro, bem como da popularização da leitura.
Já aqui tenho escrito sobre o complexo fenómeno das redes sociais – que veio para ficar. Estaremos cá para os próximos episódios da saga. Neste admirável mundo novo ao qual Zuboff chamou a “Era do Capitalismo da Vigilância” – onde a sociedade e a lei são incapazes de acompanhar a velocidade da tecnologia -, urge criar mecanismos de estudo, prevenção e resposta rápida, que legislem em defesa da nossa privacidade, da nossa segurança e da nossa liberdade. Precisamos de Estado, por muito que alguns pensem o contrário. A nós, utilizadores, cabe-nos perder a inocência, de uma vez por todas: não precisamos de abolir as redes sociais, cujas vantagens são óbvias, mas de as usar com consciência e moderação.
Se algum influencer do TikTok estiver a ler isto, faça o favor de recomendar a bíblia da Shoshanna Zuboff, o “Weapons of Mass Destruction” da Cathy O’Neil ou o “Capital no século XXI” de Thomas Piketty. Enquanto o estranho caso do balão de espionagem TikTok evolui, ou não, tenho a certeza de que todos estes livros darão umas belas coreografias. Vai ser viral.
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