“Vinte minutos à espera é inadmissível” – exclama a senhora de chapéu. Nesta esplanada na Praia das Maçãs, igual à de tantas praias com nome de peças de fruta, respondem-lhe que há “falta de pessoal”. É o prato do dia, minha senhora: de acordo com o World Travel & Tourism Council, o setor do turismo atravessa um défice de mão-de-obra. Cinquenta mil profissionais em falta. Sentindo dificuldade em contratar pós-covid, há quem caia no velho discurso do “ninguém quer trabalhar”. Mistério. Porque não querem os portugueses voltar aos empregos na hotelaria?
Em 2019, último ano da era a.C. (antes de Covid), cerca de meio milhão de pessoas trabalhavam no setor do turismo em Portugal. Absolutamente vital para a economia nacional, o ramo perdeu 27% dos trabalhadores entre as vagas da pandemia. Dezenas de milhares de pessoas foram arrastadas para o desemprego, saindo à procura de outros meios para se manter à tona.
Aparentemente, esta “migração” forçada para outras áreas profissionais levou muita gente a descobrir que há vida para além da incerteza, da dureza e dos baixos salários do emprego no turismo. Segundo o INE, em 2021, o salário médio do alojamento e restauração estava nos 881 euros – ou seja, muito abaixo do salário médio nacional (1361 euros). E isto deve dar que pensar.
Como pode uma área económica com tão bons resultados, onde tanto se investe, onde tanto se inova, onde tanto se lucra, recompensar tão mal os profissionais? Se frequentemente relacionamos a falta de investimento com o problema dos baixos salários em Portugal, onde está o reflexo do volumoso investimento no turismo nos salários do setor?
Esta semana, um excerto da Grande Entrevista da RTP ao chef Miguel Rocha Vieira ganhou destaque nas redes sociais. À questão sobre o porquê desta dificuldade em encontrar profissionais para o setor, o chef respondeu assim: “Nós estamos a colher o que semeamos há uns anos. Não cuidámos destas pessoas (…) achámos que era um privilégio trabalharem conosco (…) que não tínhamos de lhes pagar um ordenado, porque estão a aprender (…) trabalhavam horas que deixam de ser humanas, com uma pressão gigante (…) se calhar nem sabíamos o nome de metade da equipa. Era o lado humano que faltava”.
De acordo com o entrevistado, a pandemia obrigou estes trabalhadores, subitamente desempregados, a socorrer-se de biscates, encontrando, noutras áreas, oportunidade para ter direito aos fins de semana, a “ir para a praia em agosto” ou a “ter um natal com a família” – auferindo o mesmo rendimento ou mais. Remata: “aos meus colegas, digo que aprendamos a lição e que, daqui para a frente, tenhamos mais cuidado com as pessoas que trabalham conosco”. É um bom resumo.
A secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Rita Marques, reuniu-se com representantes do setor no Algarve e alertou para o “desafio” da “falta de capital humano” neste momento de retoma acelerada. Uma das respostas governamentais à falta de mão-de-obra é a lei que facilitará o acesso de trabalhadores de outros países de língua portuguesa às vagas. Ora, a recuperação do setor é obviamente uma boa notícia – e o País não pode arriscar-se a perdê-la. A agilização dos vistos para nacionais de países da CPLP que queiram trabalhar em Portugal é um passo importante. Contudo, essa não pode ser uma solução estrutural. Se a fraca atratividade destas carreiras se deve a vínculos precários e mal pagos, não é aceitável resolver o problema importando mão-de-obra. Então e melhorar as condições de trabalho?
A cultura dos baixos salários condena Portugal à pobreza, ao marasmo social e à estagnação económica. Uma política que vise revitalizar o País, fixar os melhores profissionais, oferecer futuro os jovens, promover a justiça social, incentivar e recompensar a competência tem de apostar na subida dos ordenados, bem como na garantia dos direitos laborais.
Conhecemos o panorama atual do custo de vida, dos preços da habitação, das despesas das famílias, do acesso aos produtos básicos. De nada nos servirá a velha cantiga do “vai trabalhar, malandro!”, de que o povo não quer trabalhar porque é preguiçoso, porque recebe subsídios ou porque não passa recibos. Está na altura de olharmos para o ponto crucial da questão: que empregos são estes?
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