Chegamos a setembro e vamos ouvir que os tribunais reabriram hoje. Errado! Não reabriram porque nunca fecharam.
Explicando: A Lei n.º 62/2013, de 26.08, que estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário, desde a sua versão introduzida, pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, faz corresponder o ano judicial ao ano civil. Significa isto que é incorreto dizer que o ano judicial acabou em julho e/ou que recomeça em setembro.
Claro que todos já todos ouvimos falar de férias judiciais, mas afinal quando são e o que se faz?
A citada Lei da Organização do Sistema Judiciário estabelece que as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto. Já as leis de processo ditam que não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados nem durante o período de férias judiciais.
Por atos processuais entenda-se não só julgamentos ou diligências (inquirições, interrogatórios, audições, etc.), mas também qualquer ato praticado pelos os sujeitos processuais / partes (p. ex.: peças processuais), magistrados (p. ex.: despachos, sentenças), pela secretaria (abertura de conclusão nos processos) e por terceiros (p. ex.: oposições) que tenha implicações processuais.
As férias judicias têm implicações importantes na contagem de prazo para a prática de ato. O artigo 138.º do Código de Processo Civil estabelece a regra da continuidade dos prazos, contudo, estes suspendem-se, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
Contudo, e ao contrário do que se possa pensar, os tribunais não estão encerrados e há atos e processos que pela sua natureza têm de “correr” os seus termos durante as férias judiciais, não se aplicando a mencionada suspensão de prazos.
Desde logo, e reportando-nos ao processo penal, todos atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas, bem como em que haja arguidos menores, são praticados durante as férias judiciais. Quer isto dizer, por exemplo, que os prazos para abertura de instrução ou contestação, são seguidos (não se suspendem em férias). Há acórdãos que são lidos durante período de férias judiciais, começando, de imediato, a contar o prazo para interposição de recurso. É usual haver diligências relativas a arguido preso durante período de férias judiciais.
Também se praticam, em férias, todos os atos em processos sumários / abreviados. Imagine-se um cidadão que é detido em flagrante delito pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Poderá ser julgado durante as férias.
Ou o caso de um recluso que esteja a aguardar decisão sobre a concessão da liberdade condicional, quando se encontrar cumprida a parte da pena necessária à sua aplicação, terá a sua situação apreciada em férias.
Também as leis avulsas podem estabelecer que determinados atos corram em férias judiciais, como é o caso dos processos por crime de violência doméstica, os quais têm sempre natureza urgente, concedida pela Lei n.º 112/2009, de 16.09.
As escutas telefónicas são levadas ao conhecimento do juiz de instrução, de quinze em quinze dias, não se interrompendo em férias judiciais.
O expediente relativo a queixas crimes é despachado em férias, de modo a avaliar sobre se reveste carácter urgente que careça de encaminhamento imediato.
Também nos Tribunais de Família e Menores há atos e diligências que são praticados todos os dias das férias judiciais.
Os processos judiciais de promoção e proteção constantes da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 01 de setembro) são de natureza urgente, correndo nas férias judiciais, sendo imediatamente averbados ao juiz de turno. A tramitação judicial dos processos de adoção não se interrompe durante as férias, nem dos processos relativos a menor sujeito a medida cautelar de guarda em instituição pública ou privado ou em centro educativo / internamento.
Para além dos processos que têm natureza urgente conferida expressamente pela Lei, correm igualmente em férias, processos tutelares cíveis, elencados na Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro (p. ex.: as regulações do exercício das responsabilidades parentais, ou suas alterações / incumprimentos), sempre que a demora causar prejuízo aos interesses da criança. É, portanto, uma apreciação casuística decidida pelo juiz.
Todos os atos e diligências relativas a maior acompanhado (a Lei n.º 49/2018, de 14.08, criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação) têm natureza urgente e são praticados durante as férias judiciais, sendo que em qualquer altura do processo, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar.
Também os procedimentos cautelares (comuns ou especificados) revestem sempre caráter urgente, devendo ser decididos no prazo, no prazo máximo de dois meses ou, se o requerido não tiver sido citado, de 15 dias (em conformidade com o disposto no artigo 363.º do Código de Processo Civil).
Todos os processos de insolvência, incluindo os seus incidentes, apensos e recursos, e planos especiais de recuperação de tem carácter urgente e gozam de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal. Deste modo, os termos destes processos correm normalmente em férias judiciais, sendo proferidas sentenças e apresentadas peças processuais, nomeadamente, reclamações de créditos.
Estes são apenas alguns exemplos do serviço que os tribunais continuam a prestar em férias judiciais.
É, pois, fácil de constatar que os tribunais “não vão de férias”.
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