Os incêndios florestais durante o verão são um fenómeno frequente em muitas regiões, o que muito se deve às condições climáticas que favorecem a propagação do fogo. As altas temperaturas, baixa humidade e ventos fortes criam um ambiente propício para que pequenos focos de incêndio se transformem em grandes incêndios florestais e que têm consequências profundas para o meio ambiente, a economia e as comunidades locais.
Quando causados por ação humana, seja por negligência ou intencionalidade, configuram um crime grave, porquanto não destroem apenas vastas áreas de vegetação, mas também afetam negativamente a fauna, o solo, a qualidade do ar e as comunidades locais, bem como destroem lares, património e vidas humanas.
Compete a todas as entidades prevenir, detetar, monitorizar, combater, recuperar as áreas afetadas (o que pode levar décadas e exige um esforço contínuo para restaurar a biodiversidade e as funções ecológicas) e fazer as necessárias diligências para levar o autor do crime a ser responsabilizado criminalmente, missão que, pelos motivos que passaremos a explicar não se afigura simples.
Sem pretender alongar-me em grandes explicações jurídicas ou doutrinárias, sob pena de me tornar maçadora, impõe-se fazer um breve enquadramento jurídico sobre o crime de incêndio florestal.
O crime de incêndio florestal encontra-se previsto no art. 274.º, do Código Penal, onde se dispõe que “1 – Quem provocar incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. (…)
Se a conduta prevista no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa (nº4).”.
Os bens jurídicos tutelados pelo crime de incêndio florestal são a floresta, matas, pastagens, mato, formações vegetais espontâneas e terrenos agrícolas, bem como a vida, a integridade física e o património.
A génese de um crime de incêndio florestal pode variar, desde causas naturais a descuidos aquando da realização de um fogo, fogueira, queima ou queimada que, por via de fatores da natureza (vento, tempo quente), leva a que as chamas se propaguem, sem que haja uma intenção do seu autor de que tal suceda – crime negligente e, o caso mais grave o do que, de forma deliberada provoca o incêndio florestal- crime doloso e punido com uma pena mais gravosa.
E note-se que alguns dos incêndios florestais assumem proporções catastróficas, galopando de forma incessante e atravessando várias localidades e concelhos, sem dó nem piedade, gerando uma forte repulsa na sociedade e um sentimento de impotência.
Espera, pois, a sociedade civil que a resposta da justiça seja célere, firme e consentânea com a gravidade inerente ao referido ilícito, identificando-se o seu autor e responsabilizando-o criminalmente.
Responsabilizar criminalmente os autores dos incêndios florestais é um grande desafio, mas não obstante todas as dificuldades, é essencial que se façam todas as démarches necessárias para os identificar, deter e responsabilizar.
Assim, após um incêndio florestal deflagrar e ser detetado, importa antes de mais combatê-lo, dar-se conhecimento à Polícia Judiciária, órgão de polícia criminal que tem competência reservada para a investigação e comunicar-se ao Ministério Público.
Logo que a Polícia Judiciária tem conhecimento do incêndio desloca-se ao local, onde procura perceber qual a sua causa, apreender objetos que ali tenham sido deixados, contactar com eventuais testemunhas e recolher todos os elementos de prova necessários para identificar o autor.
Em muitas das situações que dão origem a inquérito não se mostra possível identificar o autor dos factos, já que, regra geral, não há testemunhas que os tenham presenciado, o seu autor não os assume e não existem outros meios disponíveis que possam levar à descoberta dos infratores.
Contudo quando se chega à identificação do autor, e não é detido em fragrante delito, após o Ministério Público analisar todos os elementos de prova que constam do processo, pode determinar a emissão de mandados de detenção fora de flagrante delito para se aplicar uma medida de coação adequada a evitar que o indivíduo continue a perpetrar factos de idêntica natureza, que pode ir desde o Termo de Identidade e Residência até à prisão preventiva. Em caso de tal suceder fora do horário de expediente dos Tribunais, também a PJ pode e deve emitir os mandados de detenção fora de flagrante delito, para aquele mesmo efeito.
Da nossa experiência profissional, temos constatado que os autores de crimes de incêndio florestal são motivados por uma combinação de fatores económicos, sociais, psicológicos e circunstanciais.
Nos problemas psicológicos, destacam-se alguns indivíduos que comumente se designam por “pirómanos”, que têm uma compulsão patológica para iniciar incêndios, frequentemente para obter excitação, outros que possuem distúrbios mentais e ainda os que sofrem de comportamentos aditivos, na maioria dos casos adições ao álcool.
Nos casos em que é notório que o indivíduo padece de algum problema do fora psiquiátrico e, de acordo com os indícios recolhidos, o Tribunal aplica a medida de coação de prisão preventiva substituída por internamento preventivo a cumprir em hospital-prisão ou estabelecimento de saúde adequado ao tratamento psiquiátrico e a prevenir o cometimento de novos crimes e determina a realização de perícia psiquiátrica.
Contudo, o sistema judicial não pode procurar responsabilizar criminalmente a “todo o custo”, pois que um inquérito criminal obedece ao princípio da descoberta da verdade material, que é o pilar fundamental do direito penal e processual penal, devendo realizar-se todas as diligências que se afigurem necessárias à identificação do autor dos factos, para, após análise de todos os elementos de prova, deduzir acusação ou arquivar os autos.
Os desafios associados aos crimes de incêndio florestal são muitos e exigem uma abordagem integrada que inclua prevenção, deteção, combate, recuperação e responsabilização.
Soluções eficazes devem envolver governos, comunidades locais, órgãos de polícia criminal, tribunais e a sociedade em geral, trabalhando juntos para mitigar os impactos devastadores dos incêndios florestais e proteger vidas, propriedades e o meio ambiente, assegurando um futuro mais seguro e sustentável para todos.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.