O acesso à justiça em Portugal não é gratuito. Sempre que um cidadão pretenda fazer valer um qualquer seu direito e, portanto, recorrer ao sistema judicial para o fazer assegurar, tal implica o pagamento de custas judiciais e honorários a um advogado.
Tal como tem sido entendimento do TEDH, as custas judiciais não são automaticamente incompatíveis com o direito ao acesso à justiça consagrado nos artigos 6.º, n.º 1, da CEDH e 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, prosseguindo objetivos legítimos como a ajuda na administração correta e eficiente da justiça, por exemplo, dissuadindo o recurso abusivo aos tribunais ou a repartição dos custos inerentes ao funcionamento da justiça com o beneficiário/causador em vez de os repercutir na generalidade dos cidadãos através dos impostos.
O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses.
Em Portugal, para ter apoio judiciário, os cidadãos devem demonstrar a sua insuficiência económica. Quem prove ter um rendimento mensal relevante do agregado familiar inferior a €360,32 tem direito a consulta jurídica e fica isento do pagamento de custas judiciais e honorários de advogado; as pessoas que façam parte de um agregado familiar com um rendimento mensal relevante entre € 360,32 e € 1.202,00 suportam os custos de uma eventual consulta jurídica, mas podem pagar as despesas com o processo de forma faseada. Acima de €1202,00 não se considera que exista insuficiência económica para efeitos de proteção jurídica.
Os fatores – valor efetivo das custas judiciais e dos honorários forenses – não entram na equação.
Ora, um sistema assim delineado pode não ser apto a garantir a igualdade dos cidadãos no acesso aos tribunais, proporcionando a justiça a quem a pode pagar e, num outro extremo, aos indigentes ou quase indigentes, negando-a a um considerável grupo de cidadãos posicionados entre aqueles dois extremos.
Neste sentido o TEDH tem defendido que as restrições no acesso aos tribunais não devem limitar ou reduzir o acesso de uma pessoa de tal forma ou em tal medida que comprometa a própria essência do direito. Os objetivos de impor custas judiciais compatíveis com a correta administração da justiça não podem constituir um ónus financeiro desproporcionado sobre requerentes de boa-fé.
Na mesma senda o TJUE tem entendido que o juiz, para aferir do caráter exageradamente dispendioso, para o interessado, do custo de um processo judicial, não pode basear-se unicamente na situação económica do interessado, devendo também proceder a uma análise objetiva do montante das despesas.
O Tribunal Constitucional português já foi chamado por várias vezes a pronunciar-se sobre a constitucionalidade das normas constantes do regime do apoio judiciário, tendo designadamente decidido, em recente acórdão de 26 de abril de 2022, “julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 8.º, 8.º-A, 8.º-B e Anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e 12.º e Anexo IV da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto, interpretados no sentido segundo o qual a insuficiência económica demonstrada pelo requerente do benefício do apoio judiciário não lhe permite obter o benefício da dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, mas apenas o respetivo pagamento faseado, quando o rendimento mensal disponível é substancialmente equivalente ao valor da taxa de justiça inicial a suportar no processo e o valor da prestação mensal a suportar na modalidade de pagamento faseado tem como consequência uma diminuição do rendimento mensal líquido do beneficiário para um valor inferior ao da remuneração mínima mensal garantida”.
Resultando expressamente da Constituição a proibição de denegação da justiça por insuficiência de meios económicos, incumbe ao Estado tornar efetivo o direito de acesso aos tribunais, melhorando o sistema de apoio judiciário de forma a que esse acesso não se restrinja aos ricos que podem pagar os custos e aos indigentes ou quase indigentes que são os únicos que no atual sistema beneficiam de apoio judiciário.
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