Sempre que o Governo apresenta um Orçamento de Estado para o ano seguinte, representantes dos vários setores são chamados a fazer a sua análise quanto ao orçamento apresentado, designadamente se o mesmo é melhor ou pior para o sector que representam.
Porém, embora se possam retirar do mesmo, designadamente do relatório que o acompanha, alguns indicadores quanto a objetivos, prioridades políticas e previsões da distribuição de recursos, o certo é que apenas em fase de execução orçamental se pode concluir se efetivamente o Governo vai tomar as melhores opções em sede de investimento, em suma, se vai utilizar bem os recursos previstos em função daquilo que são as prioridades de cada setor.
O programa orçamental da Justiça evidencia um total de 1961,5 milhões de euros de receita total consolidada e de dotação de despesa total consolidada, representando um crescimento de 16,8% face à estimativa de execução até final de 2023.
Tal não significa, de per si, mais investimento no sistema de justiça e sobretudo pode não significar melhor investimento no sistema de justiça.
Basta ver que em termos de medidas previstas não diferem muito daquelas que já vinham plasmadas em anteriores OE de 2021, 2022 e 2023, como são exemplos o combate à corrupção; a informatização e desmaterialização dos processos judiciais, cobrindo gradualmente os tribunais superiores, continuando a desmaterialização e o aumento das relações de interoperabilidade e a atualização dos sistemas de informação dos tribunais.
No que tange à requalificação e modernização do parque judiciário e demais infraestruturas e equipamentos da Justiça é também algo que já vinha previsto em anteriores orçamentos, apenas se concretizando o processo de encerramento do Estabelecimento Prisional de Lisboa, o investimento no Palácio da Justiça de Braga e no novo Palácio da Justiça de Beja, nos Juízos de Torres Vedras e a requalificação do Palácio da Justiça de Aveiro, para acolher o Juízo de Família e Menores.
Apresenta-se como objetivo o recrutamento de novos oficiais de justiça, porém sem se concretizar qual o número de novos oficiais de justiça a contratar. É preciso um forte investimento no recrutamento e qualificação de novos funcionários para trabalharem com o Ministério Público, de forma a resolver as várias situações de quase rutura que os serviços enfrentam, desde logo em áreas especializadas e sensíveis como a violência doméstica.
Apenas queremos evidenciar, tal como já fizemos a propósito da anterior proposta de OE, que nas medidas previstas nas páginas 231 a 234 do relatório que acompanha o OE para 2024, nem uma única linha é dedicada ao Ministério Público e ao reforço de meios próprios desta magistratura.
O Governo como não quer efetivamente resolver os problemas da justiça continua a canalizar os seus recursos para a entrega aos privados das suas responsabilidades, designadamente em formas de resolução extrajudicial de litígios e na arbitragem, que não só não resolvem melhor os problemas dos cidadãos, como não oferecem as garantias necessárias de independência e imparcialidade da resolução de litígios.
Por outro lado, embora se louve o reforço de meios humanos e materiais da Polícia Judiciária, esquece-se por completo o Ministério Público, designadamente a aposta nos projetos “PT-Evidence” e “pro MP” em desenvolvimento na PGR e que se mostram cruciais à atividade do Ministério Público na fase de inquérito, permitindo dotar esta fase processual de maior celeridade e eficácia.
O combate à corrupção e a outros fenómenos criminais como a violência doméstica e a criminalidade informática só é possível com uma aposta no reforço de meios próprios do Ministério Público, enquanto Magistratura autónoma e independente do poder executivo.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ O projeto de estatuto dos funcionários judiciais
+ Autonomia financeira do Ministério Público
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
