Este ano letivo de 2022/2023, foi um ano atípico para quem é professor e não mero funcionário do Estado. Foi o ano de todas as mudanças na forma como a voz dos professores pode ser ouvida e as suas lutas organizadas, independentemente da associação sindical a que pertence (ou não). Aconteceu de tudo. De manifestações que encheram as ruas de Lisboa e de todas as capitais de distrito, a formas inovadoras de fazer greve (a que atribuíram o estigma da ilegalidade), a escolas encerradas a cadeado, a acampamentos à porta do parlamento, a correntes de professores a unir margens entre pontes, a greves de fome, a professores com processos disciplinares (acusados de desobediência por vezes a exigências ilegais). Enfim, será um ano que ficará para sempre marcado como uma mudança de paradigma na história da luta dos professores em Portugal .
O mês de julho, mais concretamente o dia 27 de julho de 2023, será também um dia histórico para a luta de todos os docentes portugueses: o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa chumba diploma de progressões na carreira dos professores, lê-se nas páginas de muitos jornais. Um dos motivos alegados pelo presidente para vetar este diploma prende-se com a disparidade de tratamento entre o Continente e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Ao recusar este diploma legal, recusa também assumir que, em Portugal, todos os docentes não sejam iguais. Ao vetar o denominado Diploma acelerador de carreiras que estabelecia os termos de implementação dos mecanismos de aceleração na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensino básico e secundário, o professor Marcelo pode ter mostrado pela primeira vez, ao longo deste longo processo, alguma consciência profissional para com uma classe cujas singularidades ele conhece muito bem. E revelou uma enorme inteligência emocional, política e estratégica que parece ter escapado aos restantes senhores da política que têm tido a função de negociar este polémico diploma: a consciência das consequências que a frustração da esperança dos professores ao constatarem o encerramento do processo. Ora, tanto poderá tratar-se de uma (mais uma?) jogada política para continuar a manter os professores em banho-maria, não lhes retirando de vez a esperança e garantindo assim que abrem as escolas em setembro próximo, como poderá existir realmente – vamos acreditar que sim – uma verdadeira consciência do que está aqui em jogo: a enorme frustração e desmotivação de uma grande percentagem de uma classe profissional que se pudesse desistir amanhã, fá-lo-ia.
Por outro lado, é impossível negar a disparidade de tratamento existente entre o Continente e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Afinal, alguém no seu perfeito juízo aceitaria isto? Neste ano difícil para a Escola Pública, de muita luta pela reivindicação de direitos reconhecidos pelo próprio presidente como justos (no site da Presidência da República pode ler-se o texto integral enviado à presidência do Conselho de Ministros, no qual o chefe de Estado aponta, entra as várias justas reclamações dos professores, uma que considera ser central: a da recuperação do tempo de serviço suspenso, sacrificado pelas crises económicas ao longo de muitos nos e muitos Governos.
Foi uma vitória para todos nós, colegas! Mesmo para aqueles que estando em Lisboa não se dignaram descer a avenida. Mesmo para os que desacreditaram da luta, a meio. Mesmo para os que desistiram. Para os outros que continuam, de pedra e cal, convictos de que a lutar também estamos a ensinar, e de que a Educação, como a Saúde, deveriam ser prioridades de uma sociedade que queira levantar bem alto as bandeiras do desenvolvimento e da justiça, a luta continua.
Como vai ser setembro? – perguntar-nos-ão.
Respondamos simplesmente que estaremos de volta. Com mais força, união e muita dignidade.
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