A perda do desejo sexual é a queixa mais comum no universo feminino. Manter o desejo sexual, é o maior desafio da sexualidade das mulheres em relações de longa duração. Estudos científicos com grandes amostras (heterossexuais) e metodologias adequadas já mostraram que o desejo das mulheres vai diminuindo à medida que aumenta a duração da relação, ou seja, quanto mais anos, menos desejo. Por conseguinte, o casamento, a coabitação e a conjugalidade estão paradoxalmente contraindicados para o interesse/desejo sexual feminino. Para o masculino não é tanto assim, porque este é mais robusto.
Entre muitas outras razões, como por exemplo, o stress e as preocupações (ocupações prévias da mente), existe um fator demolidor e difícil de ultrapassar: o desgaste do erotismo. O erotismo de muitas mulheres sofre uma erosão ao longo do tempo causada pela rotina, familiaridade, cansaço, falta de mistério, surpresa e aventura. Existem outros fatores perturbadores do desejo, desde o estado de saúde, passando pelo humor deprimido, a ansiedade, os problemas e conflitos relacionais, e a socialização sexual mais repressora e inibidora do prazer e alguns. O desejo sexual é multidimensional, uma equação com várias variáveis, e é por isso que a indústria farmacêutica ainda não conseguiu criar uma molécula para vender em comprimido, como a tão cobiçada pílula cor de rosa, o equivalente feminino do famoso “comprimido azul”. Na verdade e em rigor não seria nenhum equivalente porque os fármacos que já existem para os homens, todos muito bem-vindos – Sildenafil, Vardenafil, Tadalafil, e Avanafil -, atuam a nível da função erétil e não do desejo sexual.
“Já não me apetece … não tenho a mesma vontade que tinha no início… não me faz falta… perdi a vontade…o sexo fica no fim da lista de prioridades”, são expressões frequentes que ouço na minha consulta. São queixas de mulheres que muitas vezes se sentem “anormais/disfuncionais”, culpadas, diminuídas ou incompetentes sexualmente. Sentem-se culpadas por não sentirem vontade de ter atividade sexual e serem por isso o elemento disruptivo na relação. Sentem-se diminuídas e “anormais” por não sentirem o que era suposto sentir porque o companheiro sente e ela não chega lá, não consegue retribuir, não está ao nível, por conseguinte, sente ser ela a portadora do “problema”. E as consequências desse “desnível” fazem-se notar. Alguns companheiros ficam amuados, chateados e mais irritáveis. Esse desnível do desejo no casal heterossexual faz eclodir uma atmosfera pesada em que a mulher se sente ainda mais pressionada, e ele mais frustrado, e isto pode trazer ainda mais afastamento, quando o desejável era exatamente o contrário.
Aqui é preciso esclarecer que o problema não é a diminuição do desejo dela. O problema é a discrepância entre o desejo de um e o desejo do outro porque se os dois tivessem o mesmo nível de desejo, não haveria nenhum problema. O problema só se coloca porque um quer sexo mais vezes do que o outro.
Como é que vamos alinhar estas agulhas? Como é que se recupera o desejo perdido?
Muitas vezes, a mulher fica fechada a sentir-se o foco do problema e não sabendo o que fazer, que botão apertar, e aguarda que esse desejo perdido volte um dia. Mas o companheiro também não consegue fazer magia, a casa e as rotinas domésticas continuam sim ou sim, as obrigações, o planeamento, o stress profissional, tudo isto empurra o sexo para último lugar numa agenda carregada. Instala-se um desinteresse sexual generalizado. A sexualidade a solo também desaparece por completo. Porque o sexo não é suficientemente importante e porque o prazer sexual não é valorizado.
À espera do desejo sexual espontâneo, a mulher vai abdicando da sua sexualidade, sem ser uma escolha consciente. Algumas mulheres parecem ter atirado a sua sexualidade pela janela fora com um “não te quero… não me fazes falta… só me trazes problemas”.
Reverter esta conjuntura obriga a uma mudança de paradigma. O foco não deve ser colocado no desejo mas sim no prazer e na excitação sexual. O prazer é o alvo a perseguir, não o desejo, porque o desejo é frágil. A pergunta a que é preciso refletir e responder: Eu quero dar importância ao prazer sexual? Eu quero a minha sexualidade de volta?
O primeiro passo é esta apropriação da sexualidade, como algo que pertence a cada um e a que se tem direito. A partir daqui, o foco deve ser colocado na qualidade dos estímulos sexuais necessários para a excitação sexual. É necessária uma atitude de curiosidade e interesse para orientar a exploração e descoberta desses estímulos que cada um precisa. É a isto que chamo erotizar a relação, fazer um investimento no erotismo. E esta talvez seja a mais complexa e desafiante tarefa da conjugalidade nos casais que escolhem uma relação de compromisso monogâmica: manter o erotismo na relação, ou dito da forma mais vulgar, manter a chama acesa. Não só, mas também por esta razão, muitos casais escolhem uma possibilidade que contempla a não exclusividade sexual, no inglês monogamish. Este termo foi usado por Dan Savage, para se referir ao acordo que ele tem com o companheiro de longa data, em que estão comprometidos um com o outro, mas podem fazer sexo com outras pessoas. Mas as relações não monogâmicas, para além da possibilidade de um novo parceiro, trazem outros desafios e dificuldades.
No meu livro “Em Defesa do Erotismo”, e tal como o título indica, venho em defesa do erotismo como um sistema vital na sexualidade do individuo e que está hoje ameaçado pelas enormes mudanças no sexo e na diversidade de relações. Neste livro, procuro compreender os meandros do desejo. Perceber de que é feita essa energia erótica que o alimenta até ao objetivo final, o prazer sexual. Compreender como se mantém o desejo e, pelo contrário, o que o consome e destrói. Quando o desejo se perde, porque é que se perde? O erotismo floresce no mistério, na novidade, na transgressão, na separação e numa certa falta do outro. E perde-se na previsibilidade, na rotina e na fusão relacional.
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