Após quase três décadas e meio de ensino numa escola pública da zona oriental da cidade de Lisboa, conhecida pela sua especificidade sociocultural, e após dois anos letivos consecutivos de grande anormalidade, eis chegada a hora de fazer mudanças. Não concebo regressar à escola em setembro e recomeçar tudo novamente como se nada se tivesse passado.
Assim, a escola pós-pandemia – como eu a imagino – sofrerá um corte significativo na ridícula extensão dos currículos do Ensino Secundário e focar-se-á, sobretudo, no permanente e eficaz desenvolvimento da criatividade como forma de preparar o futuro.
Para tal, o ano letivo organizar-se-ia em dois semestres, permitindo uma avaliação que se revelasse verdadeiramente formativa, com alunos e professores a fazerem uma verdadeira análise desse infinito processo que é ensinar e aprender…
Depois, e porque o estado a que chegou a forma como a nossa língua é tratada assim o exige, a disciplina de Português passaria a desempenhar um papel decisivo na avaliação, não só pela sua transversalidade mas sobretudo enquanto veículo de comunicação, de interação, de acesso ao conhecimento e de filtragem da informação. Passo a explicar: não é viável continuarmos alheios ao estado calamitoso que se vive neste momento na educação em geral e, nos domínios de aprendizagem do Português em particular.
A pandemia e os sucessivos confinamentos vieram destapar a ferida que nós, nas escolas, há muito vínhamos a sentir. Estamos a entrar num novo ciclo e, como tal, é essencial que a escola se reculture, adquirindo novas formas de debate, ambicionando a qualidade e a criatividade irreverentes que nos permitam – a todos – viver de forma mais feliz a escola e contribuir para uma sociedade mais justa. Talvez tenha chegado a hora de rever os currículos, especialmente nestes novos tempos em que a sociedade cada vez menos se compadece com a incompetência e com a ausência de versatilidade. A escola esqueceu-se de algo essencial: a sua função nuclear enquanto fonte de onde jorram os processos facilitadores do acesso à informação e ao conhecimento, assim como dos mecanismos da sua seleção e armazenamento.
O eterno problema da tradicional resistência à mudança pode agora ser ultrapassado, algo que só é possível em situações de declarada crise. A escola dos nossos dias encontra-se repleta de alunos e de professores passivos, recebedores e transmissores de informação, quantas vezes ultrapassada ou, pelo menos, não essencial. Hoje, mais do que nunca, a temática de gestão curricular deve saltar para a linha da frente, guiando a escola e os seus intervenientes na consecução de aprendizagens essenciais, diria mesmo vitais. Desta nova gestão curricular que se exige surgirão melhores oportunidades de trabalho, maior satisfação e realização pessoais. O mundo em que vivemos e que a pandemia nos revelou não é aquele que se vive e se aprende nas escolas. Saibamos, governantes e atores no terreno, dar o salto qualitativo para uma educação que viabilize a criatividade, a transformação, a criação, a versatilidade, os desafios, o saber através de aprendizagens válidas, contextualizadas e significativas. O futuro depende destas opções. Por isso, defendo a urgente revolta dos currículos.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.