Será amor? E se for assédio sexual? O que se pensa, o que se sente, o que se faz por aí? Pode parecer fácil distingui-los, afinal todos sabemos quando nos amam, ou quando nos estão a assediar para conseguirem o que querem, neste caso, sexo. Mas, será que é assim tão fácil? E mesmo que o seja, será que vai conseguir dizer o que pensa e sente, agir em conformidade e dizer “Não”?
Será que as suas convicções vão ser mais fortes que o seu encanto, paixão, idealização ou amor por essa pessoa? Não, não acontece só com adolescentes. Sim, talvez eles sejam os mais vulneráveis, e são inúmeros os que cedem querendo ser mais aceites e mais amados. Mas também acontece com mulheres e homens adultos, de vinte, trinta, quarenta anos… quando acabam de conhecer alguém, nos primeiros encontros, durante o namoro, casados, depois de “descasarem” e ao longo da sua vida.
Nos últimos tempos têm vindo ao meu conhecimento vários casos e, por isso, decidi escrever sobre eles. É preciso falar mais sobre o que é difícil falar. E ainda parece que “custa” falar sobre assédio sexual. Mas ele existe. E o que vamos fazer? Meter a cabeça na areia quando mulheres e homens são diariamente vítimas de assédio sexual na escola, na faculdade, no emprego, em casa, na rua…?
O que à primeira vista pode parecer fácil de perceber e decidir o que fazer, pode assemelhar-se a uma “noite de intenso nevoeiro”, quando de olhos fixos na estrada tentamos conduzir e não vemos nada à frente do nosso nariz. Porquê? As razões são várias: Porque se paramos o “carro” para pensar sobre o que vamos fazer, receamos poder deixar de ver o que víamos, nem que seja apenas a “berma da estrada”. Porque, se decidimos continuar estrada fora, não sabemos se vamos chocar mais à frente. Porque se aceleramos, podemos sair da estrada e cair precipício abaixo.
Quando admiramos alguém, começamos a gostar dessa pessoa, apaixonamo-nos, ou amamos, de alguma forma podemos perder a capacidade de ver e de analisar com distanciamento ou total transparência algumas situações, e a confusão, à semelhança de uma “noite de nevoeiro”, pode instalar-se.
As situações podem ser as mais variadas, mas o receio e o medo de perder algo ou alguém, dizer o que pensamos e sentimos, de não ceder à pressão, à chantagem e às ameaças, podem fazer com que aceitemos, mais do que o inaceitável, o não dignificante, aquilo que parece ser, mas nunca foi, nem será, um verdadeiro amor.
As histórias são mais que muitas. Quanto ao assédio, pode começar no primeiro dia em que se conhecem, prolongar-se durante o namoro e o casamento, acontecer mesmo depois de divorciados, entre amigos, colegas de trabalho ou estranhos. As pressões, comentários, afirmações, insinuações, agressões emocionais e psicológicas, implícitas, explícitas ou sub-reptícias podem ser as mais diversas.
“Dá-me uma prova que me amas e entrega-te!“, “Se não fizermos, o meu desejo acaba”, “Eu tenho necessidades fisiológicas que precisam ser satisfeitas”, “Vou arranjar outra que queira…”,“Já ando a olhar para outras mulheres e a culpa é tua”, “Se um destes dias arranjar substituta, já sabes…”, “Hoje dei comigo a olhar para os seios da…”, “Vamos para a cama e logo se vê se te amo”, “Tu tens o dever, és minha mulher”, “Só vou saber se te amo quando fizer amor“, “Não sei se te amo… vou-te amando até fazermos”, “Se queres que te ame mais, faz mais…”, “se não fazes comigo, andas a fazer com outro…”, “Se não fazes, acaba aqui!”, “Dizes tu que me amas…”, “Estás sempre a inventar que estás cansado”, “Queres subir na carreira, já sabes…”, “Queres que te ajude, tu sabes o que eu quero”, “Com a minha ex era maravilhoso”…
Apenas alguns exemplos do que não é o amor. É chantagem emocional, sexual, são ameaças, é assédio sexual. É violência. O que se pensa? O que se pode pensar, quando quem o faz disse minutos antes, que gosta, que ama daqui até à lua e que se “mete num foguetão” para ir lá buscar-nos? Será que vai?
O choque, as dúvidas, as incertezas, e sobretudo, a confusão podem passar a ser uma constante e fazer com que duvide de si próprio, daquilo em que acredita desde sempre, dos seus juízos de valor, do que quer para si e confia, ou não, merecer. E nada tem a ver com imagem, inteligência, formação, classe social, dinheiro… é completamente transversal.
O que se sente? Todos dizem sentir dor. Uma dor imensa, como se uma “flecha” acertasse bem no meio do peito, e ficassem sem reação. “Congelados”. Sem saber o que fazer. Mulheres e também homens. Porque também eles são vítimas de assédio sexual. Ansiedade e angústia são uma constante. O descobrir quem é e o que quer aquela pessoa, mas especialmente, o descobrir se a querem, se a podem amar e escolher para ter na sua vida, pode demorar …. às vezes, uma vida.
O medo de perder, de precisar, de ficar só, de não ser amado, de falhar de novo, de ser censurado, de lidar com o engano, de deixar de “viver nas nuvens” (ou será na sombra?), pode fazê-los viver e esperar “em cima de uma delas”, embora as “aterragens de emergência” se repitam no tempo…
A culpa, a zanga, a irritação, consigo e com o outro, o mau-estar, o sentimento de estar a ser manipulado, usado, o calar-se querendo falar, o aceitar aquilo que sabem inaceitável, em razão de um valor maior que só existe na sua cabeça e é fruto da sua imaginação… pairam como gaivotas na praia em dias de tempestade.
O que se faz por aí? Aguenta-se, vai-se aguentando, ou talvez não. Depende. Do quê? Do amar-se a si e do não permitir que o usem para satisfazer interesses e necessidades próprias, vaidades, egos grandiosos, identidades mal definidas, feridas psicológicas não saradas, tantas faltas e ausências…, de não “alimentar” a sua doença mental, seja ela qual for, em nome de um falso e inexistente amor. Da autoestima, da autoconfiança, do amor próprio, da capacidade de perceber e dizer “não quero isto para mim”, do dizer “vai-te embora, quero amor, não assédio!”
E, é tão importante que seja dito, o mais depressa possível… Não uns dias depois, uns meses depois, ou mesmo muitos anos depois. Ninguém tem o direito de o constranger a ter sexo e de o assediar sexualmente. É crime, não é amor, nem aqui, nem em lado nenhum do mundo dito civilizado. Se a pessoa que acabou de conhecer, o seu namorado/a, o seu marido, a sua companheira, o seu amigo ou chefe o fizerem, não o aceite. Defenda-se e proteja-se. Goste mais de si do que de uma promoção ou fantasia cor-de-rosa, que depressa se pode transformar em pesadelo.
Assédio é assédio. Não é nem nunca será amor. Qualquer tipo de comentário de cariz sexual que o faça sentir menos confortável, que o faça sentir qualquer tipo de pressão para ter sexo, seja que “modalidade” for, que o faça sentir-se chantageado e obrigado a fazê-lo, para ter a atenção ou o amor, ou essa pessoa, ou algo em troca… Isso não é querer bem, gostar, e muito menos é amor.
Essa pessoa está apenas interessada em satisfazer os seus interesses e desejos, e não está interessada em si e muito menos no amor que sente por ela. Não ceda, não se deixe manipular, não arranje desculpas, motivos, razões ou justificações. Ninguém precisa de alguém na sua vida que não o vê, e não respeita a sua vontade.
Respeite-se e respeite o seu corpo. Ninguém que esteja verdadeiramente interessado em si e no seu bem-estar, ou que o ame sincera e genuinamente o vai coagir a fazer o que sente ainda não ter chegado o momento de fazer, por uma ou mil razões. Não se violente, não se traía, não se esqueça do amor que sente por si.
A pressão e chantagem sexual podem ter as mais variadas razões, entre as quais, sérios distúrbios de personalidade e afetividade, insegurança, possessividade, obsessividade, necessidade de controlo e validação enquanto pessoa através do acto sexual. Tudo menos amor por si. Não se iluda. Quem o ama de verdade, compreende, respeita, empatiza, aceita, e espera por si.
Quando alguém para ter sexo consigo o ameaça repetidamente das mais variadas formas e “feitios”, esse alguém não quer saber de si. Aliás, você e as suas necessidades nem sequer existem. Existe, sim, apenas o desejo egoísta e egocêntrico de se satisfazer. Nada mais. Afastar-se e apresentar queixa é a solução. Ceder à chantagem, ameaças ou pressões de cariz sexual sejam elas quais forem, pensando que ao ceder, essa pessoa o vai deixar de importunar, o vai admirar, respeitar ou amar ainda mais, é ingenuidade, senão autoengano. Como é que alguém que não sabe respeitá-lo, pode saber amá-lo? Esse amor, a existir, existe apenas na sua imaginação e, mais tarde ou mais cedo, você vai ter de se confrontar com essa realidade.
O que me parece? Parece-me que muitas mulheres e homens de todas as idades continuam com sérias dificuldades em dizer “não, não admito, não aceito, não quero isto para mim”. O medo, a confusão, a culpa, a solidão, a carência, os outros, as expectativas, as ilusões e desilusões, a desesperança, as relações primárias… fá-los aceitar o que sabem e sentem não lhes fazer qualquer bem.
Mais importante que tudo é saberem que a cada instante é tempo de dizerem “Não”, de decidir não fazer mais essa “estrada” onde só se vê “a berma”, de deixar o dia clarear e o sol aparecer. Pode demorar, pode ter de pedir ajuda, mas pode ter uma certeza: nesse dia irá sentir-se melhor que nunca, porque aprendeu a defender e proteger a pessoa mais importante da sua vida: Você. E nunca mais vai confundir violência, assédio e amor, porque o amor que sente por si servirá de proteção contra as mil e uma formas de desamor inventadas por quem nunca sentiu amado!