Estava eu há dias no supermercado com a minha mãe, a passear pelos corredor dos chocolates, tentando decidir qual seria a melhor escolha. Quem é guloso como eu, percebe o dilema de ter que decidir qual a opção mais acertada, perante todas aquelas ilustrações apelativas de caramelo a transbordar pela tablete ou pedacinhos de bolacha imersos no chocolate. Bem… estou a desviar-me do assunto. Continuando, ali estava eu na minha aparente indecisão, quando começo a ouvir o choro de uma criança ao meu lado. É uma rapariga de cabelo preto, dentes de leite, ranho no nariz. Na sua mão segura um pacote de chocolates kinder, enquanto implora a uma mãe atrapalhada para levar o doce para casa. A mãe abana a cabeça com mais força e os gritos da criança tornam-se mais altos. Coitada desta mãe, penso. Ter que aturar uma birra daquelas. Pensamento formado, cena esquecida e decisão tomada. Agarro nos chocolates que quero e vou à procura da minha mãe. Assim que a encontro, baixo-me para colocar o que escolhi no cesto do supermercado.
“Não vais levar os dois!” E pronto, aqui está, a majestosa reviravolta! De repente deixo de ter pena da outra mãe e passo a ter muita pena da filha. Coitada da miúda, só queria levar um mísero Kinder chocolate para casa. Não percebo o gosto que os pais têm pela palavra “não”. Não percebo o porquê de não poder levar ambos os chocolates. Está decidido, apetece-me e vou fazer uma birra, como a criança do corredor com os doces. Mas de repente percebo que não posso, que já não tenho idade… Ou será que posso?
Penso que a maior parte dos pais que estão a ler este texto, devem reconhecer esta cena no supermercado. Não interessa se são pouco ou mais mimadas, todas as crianças fazem birras. Certo é que à medida que vou crescendo, começo a aperceber-me de que apesar de mudarem de forma e de aspeto, muitas das atitudes que podemos ter agora, quando algo não corre como queremos, embora já não batamos com os pés e choremos aos berros (com algumas exceções), não deixam de poder ser consideradas birras.
Eu sou um pouco mais mimada do que a maioria, perguntem à minha mãe. No entanto, penso não ser a única a ter que admitir, que ouvir um não e aceitá-lo, me custa deveras. Antigamente chorava, agora discuto. Tento mostrar exaustivamente que a opção mais lógica é a que eu defendo. Quando a minha mãe me diz que não posso ir ter com os meus amigos naquele dia, ou não me dá dinheiro suficiente para todos os planos que pretendo concretizar, jantar, cinema, sair, controlar uma reação negativa é-me francamente complicado.
Os pais são pais, por isso sabemos que há que respeitá-los… Mas por vezes a nossa vontade de ter algo é tão forte que não contestar não parece ser uma opção. Por experiência própria, posso dizer que não vale de muito. Todos os pais são especialistas em birras. Todos os pais têm muito treino no “não” e a manter a sua posição. Tornam-se cegos, surdos e mudos (há uns que elevam a voz até nos calarem). Não gastes energia. Aceita esse “não” com dignidade e talvez para a próxima ele se vá embora de livre vontade. Mas lembra-te que às vezes temos sorte e ganhamos por exaustão (winky face).
No entanto se pensas que as birras acabam com a adolescência, desengana-te. Na minha opinião, a birra é um fenómeno humano, não limitado a determinadas idades. Toda a gente faz birras. Desde o bebé que tem fome ao idoso que não quer abdicar do sal.
Se me concentrar, consigo distinguir diversas memórias em que quase todas as pessoas que existem à minha volta e com quem eu já tive um mínimo necessário de convivência, fizeram birras. A minha mãe também as faz.
A realidade de que uma birra muda pouco ou nada muda é irrelevante, porque a maior parte das vezes o verdadeiro propósito delas é soltar a frustração interior. A imaturidade deste mecanismo é o que o torna tão eficaz. Quando algo não corre como queremos, sabe bem voltar à inocência da miúda do kinder por uns momentos. Sabe bem voltar a agir como uma criança.
É só preciso algum cuidado com os exageros. A partir de uma certa idade ninguém gosta nem tem paciência para aturar um chorão. Não vale ser mais criança do que adulto. A vantagem que temos nesta fase da adolescência, é que como estamos no meio da idade da criança e do adulto, somos mais facilmente desculpados pelas nossas birras do que seremos daqui a uns anos. Aproveitem enquanto podem! Escolham bem as birras que fazem, porque se alguém vos apanha a choramingar por não terem um chocolate kinder, não há de parecer muito bem.
E sim, eu fiz uma birra porque queria os dois chocolates. Fiquei calada o resto do tempo no supermercado. Eu disse que sou mimada…desculpa mãe.