A determinação da causalidade em medicina é um conceito essencial: por exemplo, quando um médico se decide prescrever um tratamento para uma doença, assume que aquele causará uma melhoria no estado clínico do doente.
Analogamente, quando o médico identifica um qualquer fator de risco e se propõe alterá-lo ou eliminá-lo, é porque está persuadido que ele pode causar o aparecimento da doença (isto é, a sua atuação aumenta a probabilidade de doença).
Recentemente, a International Agency for Research on Cancer (IARC), que é uma agência da OMS, publicou um estudo sobre a ingestão de carnes vermelhas e carnes processadas e o risco de cancro do cólon (intestino grosso), cujo resumo apareceu numa revista médica muito conceituada (a Lancet) no dia 26 de Outubro passado.
Neste comunicado da IARC afirma-se que um grupo de 22 peritos de 10 países reviu a literatura científica relevante, concluindo que o consumo de carne processada (presunto, salsichas, carne enlatada, etc.) aumentava o risco de cancro do cólon: especificamente, por cada 50 gramas ingeridos diariamente o risco de cancro aumentava 18%. No caso das carnes vermelhas a evidência era menos sólida, mas mesmo assim estes investigadores indicavam um aumento de 17% de risco de cancro por cada 100 gramas ingeridos.
Para se compreender estes dados há que conhecer a maneira como eles são calculados, isto é, que tipo de estudos epidemiológicos calcula a relação entre um fator de risco com uma doença. Estes estudos podem ser de dois tipos: os que comparam um grupo de pacientes expostos ao fator de risco com outro grupo de pacientes não-expostos, tentando detetar diferentes taxas de doença (os doentes afetados pelo fator causal apresentarão uma frequência aumentada da doença); e os que comparam um grupo de doentes com um grupo de saudáveis, identificando se os que foram previamente expostos ao fator de risco em causa apresentam taxas mais elevadas de doença (os indivíduos que apresentam doença deverão ter uma frequência mais elevada de exposição no passado ao agente causal). Estes estudos vão fornecer (esperamos) medidas de associação entre um fator de risco (neste caso as carnes vermelhas/processadas) e uma doença (o cancro do cólon).
Agora que já conhecemos o tipo de investigação que calcula relações entre riscos e doenças, temos de saber analisar a informação fornecida pela OMS, que é como quem diz o que significa a frase “…por cada 50 gramas ingeridos diariamente o risco de cancro aumenta 18%.”? Por outras palavras, se se deixar de comer carne processada, o risco diminui de 18%. Mas 18% de quê?
A resposta é: 18% da probabilidade de se ter cancro durante a vida toda. Em termos científicos, isto designa-se como a taxa cumulativa de cancro do colon durante a vida. E qual é este valor?
Os dados variam ligeiramente de país para país, mas um valor credível é de 96 (58 homens e 38 mulheres) por 100.000 (BMJ 2015;351:h5729).
Por outras palavras, se cada 100.000 portugueses que vivam por ex. uma média de 75 anos deixarem de consumir carne vermelha e processada, 17 indivíduos (18% de 96) beneficiam (porque deixam de ter cancro), o que quer dizer que 99.983 não beneficiam.
Agora já tem informação rigorosa para decidir se deve comer carne ou não.