É verdade que os partidos são absolutamente indispensáveis à democracia e não há democracia sem partidos. E, em meu juízo, é por igual verdade que os partidos não devem arrogar-se o monopólio da intervenção e da mediação políticas, antes lhes compete criar condições, fomentar, estimular a participação dos cidadãos na vida da coletividade. Uma das principais razões de um generalizado pouco prestígio dos partidos é não o fazerem e privilegiarem a escolha dos seus militantes ou apoiantes, em prejuízo de outros mais competentes e capazes, para ocuparem cargos e exercerem funções que não são de estrita “confiança política”.
Quando sugeri, e depois de certa forma teorizei, a necessidade, para a defesa da democracia, de um “partido novo” – não de um novo partido… -–, esse era um dos seus objetivos. E assim, no Parlamento, onde o PRD cumpriu com fidelidade os seus compromissos, um dos seus primeiros projetos, e primeiro agendamento potestativo, foi de uma mudança legislativa para permitir a existência de listas “independentes”, isto é: não propostas por partidos, nas eleições para as câmaras municipais. Porque a tanto chegava aquele monopólio dos partidos: só eles podiam apresentar candidaturas…
De forma muito significativa, o projeto foi rejeitado, com votos contra de todos os partidos!… Queriam manter o seu monopólio, poder haver listas de independentes, mesmo apenas para as câmaras, contrariava-o. Além de para eles o próprio PRD (que só foi partido por só assim poder intervir politicamente com alguma eficácia), para eles o próprio PRD, dizia, ser na “casa” uma espécie de intruso. E demorou mais de uma dúzia de anos a ser aprovada uma lei que, com bastantes “exigências” e dificuldades, permitiu as listas de independentes, pela possibilidade das quais nos média continuei a bater-me.
Em inúmeras terras, em grandes cartazes, os candidatos do Chega têm, com idêntico destaque, André Ventura a seu lado. O que também quer dizer muito sobre o partido e o que para ele representam as eleições autárquicas
Ainda na minha perspetiva, que teve expressão no programa e nos documentos do PRD, nas autárquicas havia que eleger os (face às provas já prestadas em quaisquer funções e ao conhecimento das suas aptidões e qualidades pessoais) considerados mais sérios, competentes e capazes de prosseguir o desenvolvimento das terras e o bem-estar das populações. Sendo para o caso em geral secundário, se não irrelevante, a filiação partidária ou até, sobretudo nas terras mais pequenas, a posição ideológica.
Ou seja: nas eleições autárquicas são, devem ser, as personalidades/qualidades dos candidatos, e a sua competência/capacidade para o exercício do cargo, o essencial, decisivo, para a opção dos eleitores. Não o partido que os propõe, e muito menos o seu líder ou “chefe”. Assim, nestes quase 50 anos de eleições autárquicas, nunca vira, em pequenos ou grandes concelhos, cartazes dos candidatos do PS, do PSD, do PCP ou do CDS em que de par com as fotos dos candidatos estivessem as dos respetivos líderes. Mesmo quando eles eram (tinham a dimensão de) Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do Amaral.
Pois agora podem ver-se, em inúmeras terras, grandes cartazes com os candidatos do Chega tendo, com idêntico destaque, André Ventura a seu lado (há exceções, como a de Cascais, suponho que por uma razão evidente…). Ventura parece ser, é, um candidato, “o” candidato do Chega, em todo o País. Creio que também isto quer dizer muito sobre esse partido, sobre o que para ele representam as eleições autárquicas, a forma como vai conduzi-las e os fins que visa. Veremos o(s) resultado(s).
A CPLP: UMA TRISTE “INEXISTÊNCIA”
Às vezes, tenho a tentação de escrever sobre algumas “causas” por que lutei e foram combates perdidos. Sempre pensei que o jornalismo exige, além do resto, independência e seriedade; e sempre o concebi muito mais como uma “responsabilidade”, sobretudo cívica e social, do que como um “poder” – o famoso “quarto poder”, de que toda a gente fala ou falava.
Uma daquelas “causas” sempre foi a língua portuguesa, a aproximação, a relação e a cooperação privilegiadas entre países, povos e pessoas que a falam e têm como idioma oficial. Assim segui com entusiasmo a criação do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, em 1989 – em conferência de Chefes de Estado em S. Luís do Maranhão, sendo Presidente do Brasil José Sarney e seu ministro da Cultura José Aparecido de Oliveira, responsáveis pela iniciativa. Amigo de ambos, e já pugnando por essa ideia, quando o inigualável José Aparecido veio como embaixador para Lisboa, com o “sonho” e o objetivo de, na sequência do IILP, a partir daqui edificar o que viria a chamar-se Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), acompanhei-o em tudo. E, graças ao seu apoio e da Embaixada do Brasil, foi mesmo o (por mim criado e dirigido) JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, a organizar a I Mesa Redonda Luso-Afro-Brasileira. Que visava, exatamente, ser um primeiro decisivo passo para a institucionalização da Comunidade, e na qual participaram os ministros dos Negócios Estrangeiros do Brasil e de Portugal, embaixadores de todos os PALOP, destacadas figuras de variados setores, mormente da cultura -– presencialmente, como Jorge Amado, José Saramago e Eduardo Lourenço, ou enviando mensagens, como Miguel Torga.
Ao longo de anos o JL, agora “suspenso”, seguiu e apoiou como ninguém a criação da CPLP, de cujo “ideal” foi uma espécie de porta-voz. Dedicámos-lhe cadernos especiais, escrevi inúmeros textos e tenho vasta documentação sobre a matéria. Aqui não cabe sequer uma curta síntese dessa “história” e de tudo de triste, de frustrante, que foi acontecendo depois, com o seu progressivo apagamento até à sua verdadeira “inexistência”, do ponto de vista substancial – como a do IILP, que tem um orçamento para 2026 de 659 mil euros, ou seja: 55 000 euros por mês, menos do que ganha um administrador de empresa bem pago ou um mediano/bom jogador de futebol…
Tal “inexistência” ficou exuberantemente exibida na cimeira de julho passado, na Guiné-Bissau, que agora preside a Comunidade. E, se possível pior, com a muito condenável proibição no país das emissões da RTP e da RDP África e expulsão dos seus jornalistas e do delegado da LUSA, a que aqui me referi na semana passada.
Na sequência da Guiné-Bissau, a presidência da CPLP “caberá”, segundo as regras vigentes, à Guiné Equatorial, país governado por uma cruel e corrupta ditadura, e onde nem se fala o português. A sua admissão, em 2014, como membro da Comunidade constituiu uma verdadeira vergonha, um escândalo, uma certidão de óbito do que ela visava ser. A sua admissão ocorreu, aliás, impondo algumas condições nunca satisfeitas – mas, apesar disso, a Guiné-Equatorial continua sem ser dela excluída, o que seria o mínimo dos mínimos para a partir daí tentar dar-lhe de novo dignidade e alguma “vida”.