A passagem mais pungente da biografia autorizada de Rui Rio (De Corpo Inteiro, da autoria de Mário Jorge Carvalho) é a que dá conta do dia traumático em que, sem aparente justificação, um professor do Colégio Alemão prendou o menino Ruizinho com um tabefe muito pouco democrático em plena sala de aulas. De acordo com a apologia – corrijo: com a biografia – em causa, a manifestação de autoridade gratuita terá provocado na criança uma crise de natureza obviamente niilista (o qualificativo é meu) que a partir daí se materializou numa aversão à “rigidez das regras” e ao “excesso de disciplina”.
Como sucede com a maioria dos pré-adolescentes que sofrem perturbações do género, a cartilha nietzschiana deu lugar a outra coisa qualquer na fase adulta. Escrevo “outra coisa qualquer” porque em Rui Rio não sei que coisa é essa – alguém saberá? Sobre Rio há a vaga ideia de que é, ironia das ironias, “rígido” e “disciplinador”. Também se diz e escreve regularmente que é um “social-democrata” puro, daqueles “à antiga”, seja lá o que isso for. Finalmente, consta que não é um político profissional; que, à imagem do professor mais famoso da história de Boliqueime, é um economista de sucesso que um dia aceitou vir a Lisboa fazer a rodagem do carro, acabando por se ver obrigado a mergulhar no lodo da política unicamente com o nobre propósito de a salvar.
A bem da nação, Rio tentou salvar a dignidade do Parlamento, para onde foi eleito três vezes, a primeira das quais há 26 anos. Os resultados são visíveis. A sua infinita bondade ainda o compeliu a tentar resgatar quatro líderes do PSD: Marcelo (de quem foi secretário-geral, não tendo conseguido evitar a falência da aliança com Portas); Durão Barroso (de quem foi vice-presidente, não logrando evitar a sua fuga para Bruxelas); Santana Lopes (de quem também foi vice-presidente sem que tenha conseguido salvar-lhe a cabeça da implacável guilhotina sampaísta) e Ferreira Leite (de quem foi número dois e a quem não conseguiu explicar que nem a brincar se deve defender que a democracia devia ser suspensa por seis meses). Depois disso ainda tentou salvar o Porto, a cuja autarquia presidiu. Felizmente, tudo indica que o Porto sobreviveu à sua tentativa de salvamento.
Agora, consta que Rio aproveitará a descida de Pedro Passos Coelho às catacumbas para finalmente exibir em pleno os dotes messiânicos que lhe atribuem os seus fiéis. Eu tenho dúvidas por três razões. Uma: não acredito em Messias. Outra: desconfio fortemente do potencial de um líder do PSD cujo apelido não tenha músculo para dar origem a uma igreja – ou, mínimo dos mínimos, a uma seita. Todas as figuras maiores do PSD têm provas dadas nesse domínio: Sá Carneiro resultou no “sá-carneirismo”, Cavaco inspirou o “cavaquismo”. E há ainda o “santanismo”, o “barrosismo” ou o “marcelismo”. O facto de “riosismo” ser demasiado risível para ser considerado como opção deveria fazer Rui Rio pensar. Por último, não tenho a certeza de que o perfil de Rio seja aquele de que o PSD mais necessita. Passos Coelho foi castigado nas urnas por causa da intensa relação de amor que desenvolveu com as folhas de Excel. Agora exige-se alguém que faça desaparecer os gráficos do défice e da dívida e da balança comercial e das PPP’s e dos Swaps e que comece a falar com e para as pessoas, um hábito entretanto perdido. E Rio, que ninguém ouviu reclamar quando Passos convidou os portugueses a empobrecer e a emigrar, parece longe de caber nesse fato.