A Barbie já é cinquentona mas, no mundo encantado dos brinquedos, as rugas não existem. As suas medidas corporais também são irreais – e um dos principais motivos de críticas ao longo dos anos. Se ela fosse uma mulher de carne e osso teria 1,75m e 49 kg. Com um 16 de índice de massa corporal, estaria muito abaixo do peso saudável, que deveria situar-se entre os 57 e os 77 kg. Teria também apenas 40 cm de cintura (vestiria o número 20, quando as medidas reais de adulto começam no 32). E calçaria apenas um 35 – o que lhe criaria, no mínimo, alguns problemas de equilíbrio, dada a sua altura.
Mas a Barbie é apenas uma boneca. Terá mesmo de ser fiel às proporções e regras do mundo real? A Mattel foi ignorando as críticas, que acompanharam a vida da loura mais famosa do planeta dos brinquedos desde a sua criação, em 1959. Era a primeira vez que surgia no mercado americano uma boneca com peito e uma postura claramente sexualizada (longos cabelos platinados, cintura de vespa, sempre de saltos altos, super-maquilhada). Em 1965, quando lançaram a versão ‘Slumber Party Barbie’, começaram as críticas mais severas. Esta versão incluía um conjunto de casa de banho, com um roupão rosa de cetim, uma balança que marcava 49 kg e um livro de dietas que dizia apenas “Não comas”. Feministas de todo o mundo começaram a queimar Barbies em vez de soutiens e o grupo de mães que recusavam dar uma boneca assim às suas filhas foi crescendo.
Também eu não tive uma Barbie. Não fiquei triste porque me deram o bebé-chorão que mais queria e também Tuchas e Nancys: bonecas sem peito, como qualquer menina de 3 a 10 anos (o público-alvo), morenas e mais redondinhas, apesar de também serem esbeltas. A minha mãe fazia-me vestidos para as bonecas – nos anos 1970 não existiam as infinitas variedades de guarda-roupa hoje à venda nas lojas nem era aceitável gastar tanto dinheiro nesse tipo de futilidades. Recordo com especial carinho uma tarde em que perdeu horas comigo a fazer uns calções minúsculos. Ficaram perfeitos. E foi assim que a minha primeira Tucha partiu numa grande expedição pela Amazónia.
Eu teria uns 5 ou 6 anos quando comecei a empenhar-me em criar-lhes grandes penteados. Aprendi a fazer tranças, gastava a laca da minha mãe a tentar prender apanhados impossíveis e ia estragando um secador, de tanto querer moldar uns caracóis. Até ao dia em que resolvi cortar-lhes o cabelo. Levei um raspanete, claro, mas o que me surpreendeu mais foi a reação das minhas amigas. Uma boneca de cabelo curto já não era uma boneca bonita. Porquê? Eu achava o máximo.
A Mattel não criou uma Barbie de cabelo curto mas foi desenvolvendo versões politicamente corretas, de Barbies astronautas ou médicas, tentando mostrar que ela era uma mulher emancipada e não apenas uma bonita e perfeita dona de casa. Contudo, nos anos 1980, a primeira Barbie faladora dizia o quê? “A matemática é muito difícil…”
Ao longo das décadas, surgiram também Barbies de outras etnias (afro-americanas, hispânicas…) mas a grande revolução só surgiu esta semana: 22 novas Barbies, de várias formas e cores, procurando representar a diversidade da mulher. Porquê agora? Já passaram dez anos desde que o mais terrível estudo sobre esta boneca foi publicado, no Journal of Developmental Psychology, provando que as meninas que brincavam com ela expressavam uma maior preocupação com o seu peso e a necessidade de serem magras do que as meninas que brincavam com outras bonecas. Demonstrava-se também que, imediatamente depois de brincar com uma Barbie, a maioria das meninas não queria comer. Muitos outros estudos foram provando que o ideal de beleza representado tinha impactos negativos ao longo da adolescência, afetando a auto-estima. Um dos pontos mais focados era, além da figura esguia, o cabelo liso e sedoso. Talvez por isso essa seja uma das grandes transformações da Barbie nesta sua nova reencarnação: há, finalmente, cabelos ondulados e escuros. E até uma com cabelo azul, fazendo lembrar a cantora Demi Lovato (mas, notem bem, ainda não há uma Barbie de cabelo realmente curto).
A Mattel, que perdeu o estatuto de líder mundial para a Lego em 2014, tem visto as vendas da Barbie cairem a pique, nos últimos cinco anos. Surgiram inúmeras bonecas novas, aproveitando os estudos sobre os malefícios da imagem idealizada e irreal da Barbie e a sua má influência nas meninas, como a Lottie, roubando-lhe mercado. Há dois anos dispararam as vendas da Elsa, figura da Disney lançada pelo filme Frozen. Só entre 2014 e 2015, venderam-se menos 20% de Barbies – e esse terá sido, verdadeiramente, o impulso necessário para a marca procurar mudar. Irá a tempo? A resposta será dada pelos pais e mães, na hora de comprar. Mas também pelas suas filhas. As meninas que desejam uma Barbie, imaginam a boneca esguia, loura e de olhos azuis que é propagandeada há mais de 50 anos. Será que, ao receberem uma boneca mais gordinha e de cabelos castanhos encaracolados, a reconhecerão?
E já agora, o que é feito do Ken? Em nome da igualdade, será de exigir uma coleção de namorados mais realista? Talvez não. As raparigas têm direito a sonhar.