Na melancolia e no desalento de tempos de pandemia, todos os dias nascem iguais por estas bandas, notando-se apenas que vão ficando um pouco mais mornos neste mês de junho que quase acaba e parece eterno. São duzentas e cinquenta mil almas, longe de qualquer continente e delas próprias, porque espalhadas por nove pequenas parcelas de terra, as ilhas, semeadas no mar do norte, distantes dos de fora, mas o único chão para quem está dentro.
Os nevoeiros intensos, que ultimamente cobrem os Açores, o sereno de S. João, costumeiros deste mês, emudecem os que cá estão, ou pior, cegam os passos e cegam o olhar ansioso do longe, do próprio horizonte, do mundo ou do futuro. Gente infeliz sem lágrimas. Até o mar, por estes dias cinzentão, deixa de fazer sentido, deixa de ser ligação; é mais indignação no apartamento imposto. E o verde, até o verde que invade, perde força, triste, amuado. Uma asneira da natureza. E o preto rochoso-carvão, que é o mate da ilha, que a inunda em mistérios, transmuda-se, crosta negra cravada na terra. Não é mais encanto. Xaile negro. É vulcânica catástrofe. O embater das marés brancas contra a resistência das escarpas não é mais renda de bilro atirada ao ar a empratar a ilha no mar; é revolta, fúria, frustração. A ilha não é tão só esse paraíso conjeturado, esse andor florido, esse cheiro intenso a macela. Ela é também remota cidadela em cerco permanente de água, muralhada de vento.
Olho o exterior através das bandas de fora da janela entreaberta e vejo entre as ripas das gelosias a latada de buganvília chorando amarelo para o chão. O vento noturno, que predomina de sudoeste e que corta que nem lâmina, voltou a afirmar-se e um tapete de flores mortas cobre a sombra da latada. Os pássaros não chilreiam. Os cães não ladram. Estaremos surdos? Não, é mesmo assim. Às vezes a ilha cala-se rendida à banda sonora do vento, rei e senhor nestas paragens, amante da chuva, muito presente em junho, miudinha como grão de farinha transparente. E o estar longe do restante Portugal continental faz-nos, amiúde, não mais que isto. Um aqui.
Hoje, há amarelo a mais no chão. A ilha chorando buganvílias, mergulhada em vento e nevoeiro, que é chuva por vir. Quase nada.