Enquanto os refugiados entalados na fronteira entre a Grécia e a Macedónia são gaseados (crianças e bebés incluídos), o Governo português diz poder receber mais. Na União Europeia é assim: as pontas do cordel nunca se encontram.
Os países dos Balcãs, pressionados pelas crescentes dificuldades levantadas pelas autoridades austríacas para a entrada de refugiados no seu território, decidiram eles próprios fechar a fronteira com a Grécia. O ministro grego responsável pela pasta das migrações acredita que, em breve, 70 mil refugiados possam ser apanhados na ratoeira. Para já, haverá mais de oito mil nas imediações da cidade de Idomeni, a norte de Salónica, que não conseguem passar, e cerca de 30 mil em toda a Grécia.
Na segunda-feira, 29, os que esperavam por uma passagem em Idomeni (sírios e iraquianos, a maioria, segundo a imprensa internacional) tentaram forçar a saída, tendo sido impedidos pelos guardas fronteiriços da Macedónia, que os gasearam. Desta vez não houve uma repórter loira a passar a perna a um homem fugido com uma criança, nem um miúdo de borco numa praia turca, mas as imagens não deixam de ser igualmente cruéis.
Choveu e as tendas que os delegados da Cruz Vermelha Internacional montam não são à prova de água. Os gaseados tiveram de ser assistidos pelos Médicos Sem Fronteiras, por causa de problemas respiratórios. Em várias cidades gregas, as autoridades têm de montar de um dia para o outro tendas ou acolher em estádios de futebol, quartéis e bases militares refugiados esquálidos que se fizeram à estrada para chegar à Europa central.
Perante tal cenário, os países europeus continuam a ameaçar a Grécia de expulsão do Espaço Schengen em vez de aceitar que todos lidam com uma crise humanitária de escala raramente vista desde 1945. O governo austríaco ainda há uma semana reuniu com os países dos Balcãs para parar o fluxo migratório, impondo quotas, o que levou Merkel a criticá-lo. A chanceler alemã parece ser, ironicamente, das poucas aliadas da Grécia, e a única responsável europeia que não sacode a água do capote.
Enquanto tal se passa, a Portugal estão por chegar a maioria dos refugiados que a União aceitou distribuir, através de quotas, pelos países europeus. Há uma semana, os números davam conta de que tinham sido distribuídos 598 de 160 mil!
O governo austríaco, um dos que recebeu uma carta de António Costa a dar conta da disponibilidade para acolher mais, sugeriu que Portugal os fosse recrutar diretamente à fonte, ou seja, à Grécia: se os querem, vão lá buscá-los. A seguir à II Guerra Mundial, através da Caritas, Portugal recebeu 5500 órfãos que estavam na Áustria. Esses tiveram a sorte de chegar enquadrados, de haver um plano, de terem famílias de acolhimento: alguém se lembrará disso, na chancelaria austríaca?
Falta de memória? Maus líderes? Umbiguismo misantropo? Uma arquitetura europeia ineficaz e paralisante? Um bocadinho de tudo, um atragédia nunca é simples. Se muitos europeus se riem de Donald Trump e das suas tiradas racistas, o que fazem quando observam o comportamento dos seus líderes?