A ilação parece demasiado simplista para merecer qualquer crédito. Muitos fatores são essenciais numa eleição e o seu peso é sempre difícil de determinar no resultado final. Um ou outro candidato, sobretudo quando as eleições são atomizadas, podem ter um carisma especial que influi na votação. As especificidades de uma região (desemprego elevado ou economia em expansão) podem fazer pender a balança para um dos lados. Até um dia de chuva ou de sol, a programação da televisão ou o funcionamento dos transportes públicos condicionam o modo e a quantidade de boletins que se colocam nas urnas.
É certo, contudo, que Marie le Pen, a líder da Frente Nacional, obteve uma esmagadora vitória na primeira volta das eleições regionais francesas. E que a onda de Direita que varreu a França está ligada ao profundo medo dos refugiados, imigrantes e terrorismo. À frente em seis das 13 regiões francesas, o partido de Le Pen aproximar-se-á de uma votação de 30%, à frente da dos Republicanos, de Sarkozy e da do Partido Socialista. Na segunda volta, mercê dos arranjos que se realizarem (têm acesso à ronda decisiva todas as listas com mais de 10% dos sufrágios na primeira volta), os resultados são incertos. Os candidatos podem desistir em favor dos mais bem colocados, podem fundir listas ou podem manter-se. Os socialistas já anunciaram a retirada das candidaturas em três regiões mas os republicanos de Sarkozy recusam o abandono ou a fusão de listas com a Frente Nacional ou a formação política de François Hollande.
Esta primeira volta mostrou, contudo, que pelo menos 57% dos franceses que compareceram às urnas nas eleições regionais votaram em partidos de direita (ou na frente Nacional ou nos Republicanos). Ou seja, escolheram partidos cuja posição em relação aos refugiados e aos imigrantes é mais dura, partidos que de imediato estabeleceram a ligação entre refugiados e terrorismo. Já aqui tinha escrito que os migrantes seriam as primeiras vítimas do terrorismo; vemos agora que também os partidos de esquerda o serão.
O problema é que a Esquerda não sabe, não quer ou não pode, na Economia, distanciar-se da Direita o suficiente para os seus eleitores lhe reconhecerem um DNA diferente. Por essa razão, na questão da escalada da dívida pública europeia, nos resgates da troika e na austeridade com que estes vieram embrulhados, a Esquerda foi tantas vezes penalizada. Os eleitores não conseguem aqui distinguir a diferença entre partidos, por via da compressão ideológica da economia. Terceira Via ou TINA (There Is No Alternative), Valles ou Renzi, os tradicionais partidos sociais-democratas e socialistas foram engolidos pela doutrina económica liberal, não tendo conseguido formar alternativas ao pensamento único. Por isso, o PS não ganhou as eleições em Portugal (mais vale o original do que a fotocópia). Em Inglaterra, Cameron deu uma lição aos trabalhistas. Na Espanha, o PP parece o partido mais bem colocado para a disputa eleitoral, embora sem maioria absoluta. Na Alemanha, Merkel limpou as eleições, embora tenha necessitado do SPD (que ameaça torna-se uma sua muleta) para governar.
Os partidos da esquerda mais radical, com propostas económicas mais fraturantes, como a reestruturação da dívida, também não ganharam terreno suficiente para serem alternativas autónomas. O que se passou com o governo do Syriza serviu de lição ao resto da Europa (não foi esse o objetivo?). As propostas desses partidos de esquerda parecem-se demasiadas vezes com o centralismo económico de má memória e um peso sufocante do Estado. Territórios novos que terão de ser explorados por quem por esses caminhos se aventure afastam o eleitorado. O medo de que se repita o que se passou com os gregos também.
Os partidos de esquerda têm o costume de dizer que a Direita privatiza os lucros e nacionaliza os prejuízos. Raciocínio semelhante se pode fazer sobre eles: concederam á Direita na defesa da autoridade e da segurança e partilham o ónus das malfeitorias do capitalismo. Irónico, não é?