São conhecidas as pressões que estão a ser feitas sobre os líderes europeus, no que diz respeito aos orçamentos militares. Sabe-se, igualmente, que as respostas a essas intimidações têm sido frouxas, ambíguas em muitos casos. Dão a entender que sim, senhor, que cada estado membro da OTAN irá aumentar as suas despesas de Defesa. Mas deixam igualmente uma sombra de dúvida, como quem diz sim apenas para não levantar ondas e poder esperar que a tempestade passe.
Parece-me errado responder com equívocos. Sou dos que advogam que estas matérias exigem clareza e coragem política. E um debate aprofundado e público.
É verdade que na cimeira de 2014, os chefes de Estado e de Governo dos países que formam a Aliança Atlântica se comprometeram a investir na modernização e na operacionalidade das suas forças militares, de modo a poderem responder com prontidão e de modo integrado às exigências das novas missões da OTAN. Fizeram-no, no entanto, com uma certa dose de realismo. Embora tenham lembrado, no seu comunicado final, a recomendação que há muito prevalece na sede da Aliança – as despesas nacionais com a Defesa devem corresponder a 2% do PIB de cada país – os líderes foram prudentes no compromisso que assumiram. Fixaram um horizonte temporal de 10 anos como sendo o período necessário para atingir a percentagem de referência. Mais ainda, estabeleceram uma correlação entre o crescimento sustentado do PIB e a possibilidade de dedicar mais recursos à Defesa. Entendeu-se, assim, que sem crescimento económico significativo não existiriam condições para reforços orçamentais no domínio militar.
É esse realismo que haverá que recordar à liderança que agora manda em Washington e que tem repetidamente insistido na meta dos 2%, como sendo algo a atingir já este ano.
Convém igualmente sublinhar a complexidade da questão das despesas militares, no contexto das opiniões públicas europeias. Os nossos concidadãos não são como os americanos. Não aceitam facilmente a militarização da economia nem vêem o complexo sector das indústrias de guerra como uma das fontes de dinamização económica. Há, mesmo, uma preferência acentuada pelo pacifismo. Por outro lado, não existe na Europa algo de equivalente ao que se verifica nos EUA, no que respeita à imagem pública das forças armadas. Do outro lado do oceano, os camuflados fazem parte do quotidiano informativo e do quadro de honra das famílias norte-americanas. Aqui, entre nós, os militares quase desapareceram das vistas populares. A sua imagem e prestígio estão muito longe do centro das atenções.
Sem esquecer, sejamos francos, que a maioria dos nossos políticos de hoje não entende lá muito bem as instituições de Defesa nem sabe como se relacionar com as mesmas. São políticos de artes subtis e obscuras, que cresceram no caos e nas intrigas dos aparelhos partidários, ambientes muito diferentes da cultura institucional, da disciplina e dos métodos de trabalho e de progressão na carreira que imperam nos meios militares. Nalguns casos, haverá mesmo políticos que sofrem de comichões intelectuais e de outras formas agudas de urticária mental, quando são chamados a falar sobre as Forças Armadas e as questões das armas. As pontes entre ambos os lados são toscas e de percurso complicado.
Perante tudo isto, quem vai explicar aos enviados de Donald Trump, sem rodeios nem receios, as circunstâncias e as peculiaridades europeias? E como irá reagir Washington? Igualmente, quem conseguirá fazer avançar – e com que contornos? – a Agenda Comum de Defesa de que agora tanto se fala em certos círculos da UE?
Temos aqui muito pano para mangas. E para refletir.