O Mundial não podia ter começado de pior maneira para Portugal. Nem tanto pela derrota com a Alemanha, antes sim pela forma como o desaire foi consentido. Não há nada mais natural do que perder contra uma das melhores equipas do mundo, candidata crónica à vitória. O problema foi a forma como Portugal perdeu, acumulando erros individuais e coletivos, que, a repetirem-se nos próximos jogos, tornam a qualificação para os oitavos-de-final uma miragem.
Paulo Bento avisou mas o seu aviso parece ter caído em saco roto: não basta ter o melhor do mundo para se ser campeão do mundo. Mas não foi com essa mentalidade que a equipa entrou em campo. Todos procuravam Ronaldo, quando a bola lhes chegava aos pés. Não sei se por receio de ter de decidir, se por medo de não agradar a alguém, mesmo em situação de poder marcar, houve jogadores a tentar encontrar Cristiano para entregar a bola. Não existe equipa nenhuma que ganhe o quer que seja com apenas um jogador. E se Paulo Bento não consegue contrariar esta dependência no seio da sua equipa, a presença no Brasil não vai ser longa. E o pior que podia acontecer era Portugal ser afastado por ter o melhor do mundo.
Percebe-se há muito que Paulo Bento é um homem de convicções fortes. Tem bem claro na sua mente os jogadores com quem conta e a forma como a equipa tem de jogar. Daí se ter percebido as escolhas dos convocados e o onze escolhido para o jogo contra a Alemanha. Diria até que, se não existissem lesões e castigos, Paulo Bento jogaria sempre com os mesmos dez atrás do ponta-de-lança. Só este varia, na cabeça do selecionador. Acontece que o jogo inaugural lhe trouxe a cruel realidade de ver alguns dos seus incondicionais a comprometer e a deitar tudo por terra.
Começando por trás, Rui Patrício tremeu como varas verdes do primeiro ao último minuto e ofereceu dois golos. Khedira desperdiçou um, mas Muller agradeceu o outro. A dupla de centrais ofereceu o segundo e terceiro golos. Não contente, Pepe ofereceu uma das suas paragens cerebrais, fazendo-se expulsar. João Pereira deixou fugir Gotze e ofereceu o penalti para o primeiro golo. No miolo Meireles e Moutinho estiveram longe da dinâmica de outros tempos. Veloso esteve um pouco melhor, mas foi ele o sacrificado pela infantilidade de Pepe. Nani parece só conseguir jogar quando Cristiano não está. E este, ontem, não esteve nem saiu de cima, como costuma dizer-se.
Perante o descalabro, Bento reagiu tarde. Quis esperar pelo intervalo para reparar a asneira de Pepe e fez ele próprio asneira. Recuar Meireles para o eixo da defesa acabou por permitir à Alemanha fazer o terceiro nos descontos. O que estava complicado tornou-se impossível. No segundo tempo, Portugal pode agradecer à Alemanha ter optado por gerir apenas a vantagem. Mesmo assim, a equipa nacional acabou por sofrer um golo e viu Coentrão lesionar-se com gravidade.
Agora, Paulo Bento vai ter de começar quase tudo de novo. A lesão de Coentrão e o castigo de Pepe vão obrigar o selecionador a refazer a equipa. E, se é verdade que este treinador e estes jogadores já deram inúmeras provas de superação, neste momento há pouco tempo e poucos jogos para o conseguir. Mas, é agora ou nunca! Bento vai ter de recuperar o espírito dos play off contra a Suécia e vai ter de encontrar novas soluções. Escolher entre manter o figurino ou mudar. Trocar apenas Coentrão por André Almeida, ou deslocar Miguel Veloso para a esquerda e fazer entrar William Carvalho para o miolo? Manter a dupla Moutinho-Meireles ou colocar sangue novo, trocando um deles por Ruben Amorim? E na baliza, Patrício é eterno ou pode dar a lugar a Beto ou Eduardo? Nani consegue conviver com Ronaldo em campo ou será melhor experimentar Varela, Vieirinha ou Rafa?
São muitas questões e, por ventura, pouco tempo para as tomar. Tentar mudar muita coisa de um momento para o outro pode até ser um risco. Mas é de uma revolução que a equipa precisa. E ter mais em que pensar sem ser se Cristiano Ronaldo está ou não a cem por cento pode muito bem ser o melhor que podia ter acontecido a Paulo Bento.