Algumas das mais genuínas fotos do político Paulo Portas em campanha foram tiradas nos Açores e na Madeira, por altura das regionais do ano 2000. Os cenários vão das feiras às procissões, sempre distintos e ricos em folclore. Luís Barra e José António Rodrigues, repórteres da VISÃO, captaram vários momentos em que o recém-líder do PP fazia parar a caravana para conversar com um desconhecido ou tocar bombo na banda filarmónica.
Essa campanha foi tão intensa em contacto humano, em geral, e apertos de mão, em concreto, que, mesmo não sendo candidato, Portas teve de pedir um penso rápido à comitiva porque esfolou um dedo em Vila Franca do Campo. O único relato parecido em política é de Cavaco Silva que admitiu ter ficado sem sentir a cara por causa dos inúmeros beijos que deu e recebeu na cerimónia de uma das suas posses como primeiro-ministro.
Há quinze anos, Paulo Portas já era um camaleão. Tão à vontade no mercado, entre peixeiras, como no Parlamento, entre deputados, ou num evento internacional, entre magnatas. Só ainda não tinha os dentes perfeitamente brancos, nem estavam alinhados ao milímetro e a sua pele não exibia um tom sempre saudável, independentemente da estação do ano. Também não tinha sido ministro nem vice-primeiro-ministro, mas já tinha ensaiado uma coligação que não deu certo, com Marcelo Rebelo de Sousa.
O facto de ser incansável em campanha acabou por valer-lhe a alcunha de ‘Paulinho das Feiras’ e o nome acentou-lhe como uma luva, em parte por causa do dress code: uma parca castanha ou verde seca e uma boina de fazenda, um boné ou um chapéu de palha ou de abas.
Esta suposta autenticidade de Portas sempre foi ensombrada por vários momentos. Para grande pena minha, o mais antigo de todos não ficou registado em fotografia. Caso contrário, teria sido essa a minha eleita para a Cronofoto. Estávamos no início da década de 90 e, Portas, jornalista fundador d’ O Independente, dizia-se geneticamente anti-poder. “Se há coisas definitivas na minha vida e na minha cabeça, uma delas é essa [não ser político]. Gosto imenso de política, mas nunca farei política”, assumiu na televisão. Uma espécie de primeira versão do “irrevogável” de 2013. Ou do “Eu fico” de 2001, na Câmara de Lisboa.
Já ninguém se lembra do dedo esfolado de Portas – talvez nem o próprio. Foi um dano colateral numa campanha que foi ganha pelo PS, nos Açores. Só percebi que o episódio me tinha ficado gravado na memória quando estava a reler a autobiografia de Cavaco, a propósito da sua anunciada saída, daqui a uns meses. Essa sim, irrevogável.