A semana passada, a GQ atribuiu os seus habituais prémios Homem do Ano. Entre as várias categorias – Negócios, Literatura, Moda – lá estava a Ciência. Militante confessa da ideia de que só com investimento nesta área é que chegamos “lá” – a este olimpo de desenvolvimento e igualdade da Suécia ou da Dinamarca –, fico sempre feliz quando vejo a Ciência misturada com outras áreas mais mundanas. Bom, ficaria mais contente ainda se na categoria Homem do Ano vencesse um cientista em vez de um treinador de futebol sem qualquer respeito pela língua portuguesa. Mas isso também já seria pedir demais, bem sei.
Para a publicação masculina, o Homem do Ano na Ciência foi Rui Costa, o neurocientista que começou por estudar veterinária para depois se tornar um dos maiores especialistas no estudo da memória. Conheço o Rui há uns dez anos, quando ele ainda trabalhava na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, assisti à sua decisão de voltar para Portugal, ajudando a pôr de pé o Programa de Doutoramento em Neurociências da Fundação Champalimaud. Além de ser um cientista brilhante, o Rui tem o dom da simplicidade, como é costume entre os grandes. Um homem da Guarda que nunca perdeu o veterinário que há dentro dele.
Este prémio serve-me agora de pretexto para recordar um episódio que se passou há uns meses. Encontrámo-nos, por acaso, na Estação de Santa Apolónia, em Lisboa, e estávamos na conversa quando um casal de meia-idade se aproximou, pedindo licença e desculpa por incomodar. “É o cientista Rui Costa, não é?”, perguntou o senhor. Ele confirmou, meio envergonhado. E os rostos abriram-se num sorriso – ele satisfeito por ter vencido a teima com a mulher, ela emocionada. “Bem-haja, por tudo o que tem feito por nós!”, exclamou a senhora, de lágrimas nos olhos. “Posso cumprimentá-lo?” O Rui agradeceu, meio sem graça. Eu comovi-me, incrédula. “Isto agora tem sido assim”, solta ele, com espanto genuíno. E de repente o átrio frio e deserto da estação tornou-se numa antevisão do mundo ideal. Volto lá sempre que me parece que o país está perdido. Algo vai bem no mundo quando os heróis são os Rui Costa desta vida.