Depois de ter recusado apresentar uma candidatura à Presidência da República, o professor Sampaio da Nóvoa, candidato presidencial apoiado oficiosamente pelo PS em 2016, resolveu dar uma entrevista. Não deixa de ser estranho que um potencial candidato presidencial, com garantia de apoio de toda a esquerda, tenha ficado “nas covas”, desperdiçando a oportunidade de expor as suas ideias, de forma muito mais visível e amplificada, numa campanha eleitoral – mesmo que perdesse. Não está em causa o direito à intervenção cívica e à liberdade de expor os seus pontos de vista. Mas ganhava em eficácia com uma candidatura em que pudesse explicá-los melhor, mais vezes e, se possível, intervir (sendo eleito) para lhes dar consequência prática.
Dito isto, vejamos o que nos diz Sampaio da Nóvoa. Primeiro, Marcelo Rebelo de Sousa é responsável pela instabilidade política dos últimos anos e, consequentemente, pelo crescimento do populismo. Dissolver três vezes a Assembleia da República, marcando, em cada um dos casos, eleições antecipadas remete para a metáfora da “bomba atómica”, habitualmente associada à dissolução. E, explica Nóvoa, uma bomba atómica tem um grande poder de destruição. Lançar três bombas atómicas é “de uma violência democrática absolutamente imensa”. Marcelo Rebelo de Sousa “picou-se”. E respondeu. Para já, o facto de ter tido, em dez anos, apenas dois primeiros-ministros, significa que houve estabilidade e não instabilidade. Depois, o facto de um Presidente de direita ter coexistido e cooperado, durante oito anos e meio, com o governo mais à esquerda do pós-período revolucionário (uma declaração que é, em si, uma notícia com relevância política, já que o Presidente nunca se tinha referido à Geringonça nestes termos…), serve de penhor à própria estabilidade. Nesta discussão, quem é que ganha?
Olhemos para cada uma das dissoluções. Na primeira, em 2021, Marcelo dissolveu o Parlamento depois de ter avisado que o faria caso o Orçamento do Estado para 2022 não fosse aprovado. Nada, do ponto de vista constitucional, obrigaria Marcelo a fazê-lo. A rejeição de um Orçamento não implica a demissão do governo. Este poderá apresentar um novo Orçamento e, mesmo que volte a ser chumbado, pode sempre governar por duodécimos, no exercício seguinte. Portanto, a decisão de Marcelo foi uma opção pessoal, legítima do ponto de vista de um órgão de soberania unipessoal. A segunda dissolução foi motivada por um processo judicial, que levou o primeiro-ministro António Costa a demitir-se. Mas a Operação Influencer e as suas consequências não obrigavam Marcelo a dissolver: aliás, foi-lhe sugerido que aceitasse a indicação, por parte do PS, de um novo nome. Mário Centeno, o possível ungido, tinha a vantagem de ser um independente – suficientemente distanciado, portanto –, garantindo, ao mesmo tempo, o apoio de uma maioria absoluta. O Conselho de Estado também se pronunciou por esta solução. Mais uma vez, Marcelo decidiu sozinho. A terceira dissolução é a única em que o PR não tem outra opção senão a da marcação de eleições. O caso Spinumviva e a moção de confiança rejeitada obrigavam a eleições, tanto mais que o primeiro-ministro queria ir às urnas e o PSD não apresentaria nome alternativo. No cômputo geral, nesta discussão, Sampaio da Nóvoa ganha, para já, 2-1.
Mas tudo isto tem de ir ao VAR: é fácil retrospetivamente, e sabendo o que sabemos hoje, julgar as opções de Marcelo. Sendo que, na primeira dissolução, o povo deu-lhe razão: o PR pretendia uma clarificação e ela surgiu, esmagadora, nas urnas, com a maioria absoluta do PS. O resultado passa para 1-1, entre os argumentos de Marcelo e os de Nóvoa. Sim, porque, na segunda dissolução, não só não houve qualquer clarificação, ficando tudo empatado, como, de facto, o populismo subiu ao campeonato dos grandes. Mas é injusto culpar o Presidente por isso: havia o precedente Santana Lopes, que foi primeiro-ministro sem ter sido eleito e correu mal. E não foram as dissoluções consecutivas que desgastaram a democracia. Nos dois últimos casos, foram os seus motivos: processos de Justiça, com fumos de corrupção (governo PS) ou irregularidades éticas, com uma empresa do PM a sugerir conflito de interesses (governo AD). E estas causas diretas das respetivas crises políticas, que tanto contribuíram para a subida do populismo, não podem ser assacadas a Marcelo.
Na segunda declaração relevante, Sampaio da Nóvoa acredita que uma segunda volta entre André Ventura e Gouveia e Melo seria um péssimo sinal para a democracia. André Ventura respondeu que isso abalaria o sistema: pela primeira vez, nem PS nem PSD conseguiriam fazer eleger um Presidente. Inquietantemente, ambos têm razão.