Nos primórdios da democracia, há 50 anos, um célebre estribilho publicitário, concebido para promover a participação eleitoral dos cidadãos, lembrava que “o voto é a arma do povo”. E logo os chamados “anarcas” [anarquistas], tipos com sentido de humor que assinavam as suas pichagens nas paredes com um A maiúsculo dentro de um círculo, advertiam: “Então não votes, senão, ficas desarmado”. Mais uma vez, agora decorrido apenas pouco mais de um ano, os portugueses são chamados a mais uns “disparos” de esferográfica, nas secções de voto. Na hora de fazer um balanço da campanha – e deve ressalvar-se que este texto está a ser escrito alguns dias antes do seu encerramento –, é difícil uma conclusão que não ado déjà vu. Há um ano, tínhamos o aliciante de várias estreias, entre os líderes partidários. Eram os casos de Paulo Raimundo, pela CDU, Rui Rocha, pela IL, Mariana Mortágua, pelo BE, e, sobretudo, os candidatos a primeiro-ministro, Luís Montenegro (AD) e Pedro Nuno Santos (PS). Passado o efeito de novidade, o País está mais ou menos na mesma e os problemas são os de sempre – o SNS, a Habitação, os pensionistas, os impostos. Os protagonistas são os mesmos, os temas são os mesmos, o País é o mesmo e a mudança de ciclo entre a esquerda do PS e a direita da AD não se notou (afinal, uma maioria relativa tão frágil não consegue mudar nada…), embora, aqui e ali, houvesse, para o bem e para o mal, nuances de competência nalgumas áreas e diferenças de liderança no estilo. A suspeita confirmou-se: não há qualquer motivo que justifique estas eleições antecipadas.
Mas, pelo meio, tivemos cinco pequenas novidades. A primeira foi um almoço de ex-presidentes do PSD, no 51.º aniversário do partido. Em declarações aos jornalistas, um deles, Pedro Passos Coelho, afirmou que o País precisa de um governo com “espírito reformista”. Talvez por isso, ou para puxar pelo eleitorado que, supostamente, deverá valorizar a “estabilidade”, AD e IL passaram à segunda novidade: a narrativa eleitoral que induz a ideia de uma maioria de ambos, coligados, e que visa motivar indecisos fartos de serem chamados às urnas. Essa conduziu à terceira novidade: recordado de como funcionou a dramatização ensaiada por António Costa, na última semana de campanha de 2022, em que o PS, sem ser desmentido, denunciou a iminente associação do PSD e Rui Rio à extrema-direita do Chega, e de como essa dramatização terá ajudado à maioria absoluta, Pedro Nuno Santos ensaia, agora, dramatização idêntica colocando, no lugar do Chega, a Iniciativa Liberal: “Vem aí um governo de direita radical!” Não se sabe se isto cola ou se o fantasma liberal assusta tanto os eleitores de esquerda como o “mostrengo fascista”. No fundo, de uma forma ou de outra, os partidos esforçam-se para que o eleitorado coma a sopa toda, senão, vem aí o papão. Por exemplo, o papão da “instabilidade”. Ora, se os eleitores prezassem tanto a estabilidade como Pedro Nuno e Montenegro julgam, não votavam como votam: nas últimas três eleições, e mesmo descontando o fator irrepetível da maioria absoluta, os portugueses começaram a dispersar o seu voto por partidos mais pequenos, colorindo a Assembleia da República com a sua maior diversidade de sempre. A estabilidade que conta é a económica, e nem sempre ela depende da estabilidade política, como se tem visto. O que nos conduz à quarta novidade: de repente, um dado estatístico veio perturbar a modorra vigente: a retração económica do País no primeiro trimestre deste ano foi maior do que é normal em primeiros trimestres e teve uma dimensão que há muito tempo não se via. A oposição, distraída por folclores de TikTok, cavalgou pouco este, lá está… papão. É possível que, nestas horas finais de campanha, isso seja mais relevado pelos socialistas. Pelo menos, é suscetível de assustar mais do que a IL no governo…