Em setembro do ano passado, quando o julgamento dos crimes de Mazan começou, Gisèle Pelicot enfrentou as primeiras sessões no tribunal de óculos escuros. A sua figura correspondia ao estereótipo de uma septuagenária francesa que, depois de se reformar, preferiu ir aproveitar a vida para a Provença: tinha uma imagem delicada e uma presença discreta. A mensagem, porém, contrastava com o retrato da “avozinha” suave. Era duríssima: Gisèle Pelicot não quis que o julgamento decorresse à porta fechada, como os seus advogados explicaram, não tinha motivos para se esconder e, sobretudo, não queria ficar trancada para o resto da vida num lugar onde também estavam os seus violadores.
O caso Pelicot ainda demorou uns tempos a ultrapassar a escala nacional, mas acabou por ter uma repercussão planetária: transformada em heroína, Gisèle Pelicot foi eleita, no final de 2024, uma das mulheres do ano. Sempre dispensou protagonismos e mediatismos, mas nunca se coibiu de passar a mensagem: o sentimento de vergonha, associado às vítimas de violência sexual, deve ser transposto para o lado dos agressores. E quando terminou o julgamento do marido e dos restantes 50 homens que se sentaram no banco dos réus, Gisèle Pelicot já não usava óculos escuros. Proferida a sentença, sem raiva nem rancor, dirigiu-se a todas as vítimas de violação: “Quero que saibam que partilhamos o mesmo combate.”